Título: REBANHO DESGARRADO
Autor: XICO GRAZIANO
Fonte: O Globo, 11/04/2006, Opinião, p. 7

Reforma agrária, todos sabem, serve para transformar trabalhador em produtor rural. O beneficiário, antes um pobre sem-terra, vira um progressista com-terra. Ganha cidadania. Certo?

Mais ou menos. No deformado processo da reforma agrária brasileira, mesmo depois de ocupar seu quinhão, o caboclo continua tratado como sem-terra. Seu status não muda. Continua vivendo mal.

Onde reside o problema? Na emancipação dos projetos de assentamento rural. Ou melhor, em sua inexistência. Existem hoje, no mínimo, 500 mil famílias assentadas produzindo com precário vínculo à terra que receberam. No máximo, ostentam uma licença de ocupação, fornecida pelo Incra.

Projeto de lei apresentado recentemente na Câmara dos Deputados (PL 6.820/06) procura dar um freio de arrumação nesse arrastado processo da reforma agrária. Estabelece um prazo de 5 anos para que o governo, ao iniciar o assentamento rural, realize os investimentos necessários para a sua consolidação. Na seqüência, obriga-se a emitir o título de posse dos novos agricultores.

A proposta é simples. Quer fazer reforma agrária, que faça, mas termine o investimento. Senão, vira uma rosca sem-fim. Dificilmente a idéia vai prosperar de forma rápida no Congresso. Sabem por quê? Porque o MST é radicalmente contrário à medida, opondo-se à titulação dos beneficiários da reforma agrária. É incrível.

Mas verdade. O MST prefere que o pobre-coitado continue um sem-terra. Comendo na sua mão. Quer dividir a terra, mas manter seu mando autoritário sobre os novos produtores rurais. Uma razão meio messiânica, ou fascista.

Malgrado as verbas que manipulam em convênios com o Incra e, por tabela, o acesso privilegiado aos financiamentos via Banco do Brasil, que irrigam o MST, a boiada vai se desgarrando. Os novos agricultores querem progredir, e exigem liberdade.

Atento, o MST vai, aos poucos, alterando sua estratégia de atuação. Recentemente, organizou o MPA ¿ Movimento dos Pequenos Agricultores. Busca, assim, manter seu controle sobre os assentamentos rurais, mesmo trombando na política com a Contag, a poderosa central sindical no campo, que sempre representou os camponeses.

Já faz tempo que nas passeatas, marchas e demais manifestações do MST o grosso da fileira se compõe de produtores assentados. O Zé Rainha é o maior exemplo. Desde 1995 ele detém um lote no Pontal do Paranapanema, em São Paulo. Embora um com-terra, continua líder dos sem-terra. Só no Brasil mesmo!

A nova face do MST, arvorando-se representante dos pequenos agricultores, desgraçadamente carrega uma forte visão paternalista e perdulária. Basta acessar o site do MST e conhecer a pauta de reivindicações do MPA. É coisa simplesmente escandalosa.

Propõe o enquadramento das famílias camponesas como ¿segurados especiais¿ da Previdência; defende a aposentadoria das mulheres aos 55 anos, com 1 salário mínimo e, aos 70 anos, com 2,5 salários. Exige que o governo controle os preços agrícolas, tabele os insumos, compre a produção e controle o comércio através de ¿uma grande empresa pública de exportações agrícolas¿, proibindo as multinacionais de atuarem no mercado. Dá para entender?

É pouco. Querem também um crédito de R$100 mil por família, para ¿investimentos globais¿ na propriedade rural, com 4 anos de carência e 20 anos para pagar, juros fixos de 2% ao ano e, para quem fizer tudo direitinho, rebate de 50% nas parcelas a vencer. A previsão orçamentária, para 5 anos, somaria R$800 bilhões. Fácil.

É desanimador: o MST, ao querer agora dominar os com-terra, apresenta uma agenda velha, semelhante à pior demanda dos aproveitadores de sempre que, no campo ou na cidade, só pensam em mamar nas tetas do Estado. Pela direita ou na esquerda, agride a modernidade.

Pior, trata-se de uma agenda velhaca, construída para vender ilusões. Uma cantilena, rezada sobre a pobreza no campo, que promete o paraíso, ainda na Terra. Esse populismo de esquerda, cultivado pelo MST, objetiva criar submissão, a mais desgraçada das misérias humanas. É lamentável.

XICO GRAZIANO é agrônomo e deputado federal (PSDB-SP). E-mail: xicograziano@terra.com.br.