Título: Narrativa enxuta, dura e seca
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 12/04/2006, O PAÍS, p. 2

A denúncia do procurador-geral da República, Antonio Fernando Souza, guarda uma diferença essencial com o relatório final da CPI dos Correios: é muito mais substantiva do que adjetiva. Está além da luta política e por isso é mais consistente. Até mesmo na forma de sua divulgação foi mais republicana. A denúncia foi produzida em silêncio e divulgada democraticamente, pela internet.

Essencialmente muito mais danoso para o PT, o documento não fala em mensalão, esta expressão ¿midiática¿, como disse o relator Serraglio, criada por Roberto Jefferson e adotada pela CPI por razões políticas compreensíveis. O que o procurador denuncia é algo pior: a criação de ¿uma sofisticada organização criminosa que se estruturou profissionalmente para negociar apoio político, pagar dívidas pretéritas do Partido [dos Trabalhadores (PT)] e também custear gastos de campanha e outras despesas do PT e dos seus aliados¿. E tome crimes: ¿peculato, lavagem de dinheiro, corrupção ativa e passiva, gestão fraudulenta e outras formas de fraude¿. Nenhum dos deputados acusados, tenham renunciado, sido cassados ou absolvidos, escapou do pedido de indiciamento. Um ex-ministro que a CPI deixou de fora foi alcançado, Anderson Adauto, do PL, hoje prefeito de Uberaba. Toda a cúpula da base governista foi atingida. O ¿DNA¿ do valerioduto, que o PT tentou obrigar Serraglio a registrar em seu relatório, não foi esquecido pelo procurador: o ¿embrião¿ do esquema, diz ele, foi a campanha de Eduardo Azeredo em Minas, em 1998, tendo como protagonistas Marcos Valério e o Banco Rural. O procurador divide a sofisticada organização em três núcleos. No primeiro e mais importante estavam o ex-ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, o ex-secretário de Finanças do PT, Delúbio Soares, o ex-secretário-geral do PT, Sílvio Pereira, e o ex-presidente do PT, José Genoino. No segundo, como operadores, Marcos Valério de Souza e seus sócios nas agências de publicidade SMP&B e DNA. Em troca de vantagens no governo, como os contratos de publicidade, providenciavam recursos para o caixa petista, valendo-se também das diversas empresas privadas com quem tinham negócios. A CPI só enxergou a Telemig e a Usiminas. Na terceira ponta está o Banco Rural, que entrou no esquema em busca de ¿vantagens indevidas¿: a liberação dos créditos decorrentes da intervenção no Banco Mercantil de Pernambuco. Tentando fazer este tráfico de influência foi que Delúbio se enrolou com Valério e o Rural. Já tendo recebido adiantamentos por conta da operação para saldar dívidas de 2002 (sob a forma de empréstimos), e não tendo obtido o que buscava no Banco Central, Delúbio e Valério partiram para outros negócios. O procurador que tomou posse sob suspeita respondeu aos desconfiados e mostrou que comanda a máquina complexa do Ministério Público.