Título: Dando voz à vizinhança
Autor: Luiz Ernesto Magalhaes
Fonte: O Globo, 11/04/2006, Rio, p. 14

Projeto prevê relatório sobre impacto de novos prédios e medidas contra crescimento na Zona Sul

OConselho Municipal de Política Urbana (Compur) estuda uma proposta da prefeitura de exigir relatórios de impacto de vizinhança (RIV) antes da construção de qualquer prédio ou da concessão de alvarás na cidade. O relatório serve para avaliar os transtornos que o empreendimento causará nas áreas vizinhas e as alternativas para minimizar os problemas. A medida, prevista no Estatuto das Cidades, consta do anteprojeto do novo Plano Diretor do Rio, que também propõe mecanismos para tentar conter o adensamento dos bairros da Zona Sul ao mesmo tempo em que estimula o crescimento populacional da Barra da Tijuca, do Recreio dos Bandeirantes, de Jacarepaguá e de vários bairros, mais vazios, da Zona Norte. Para isso, seriam alterados os limites máximos permitidos de áreas construídas nos lotes sem a alteração dos gabaritos.

As propostas do novo Plano Diretor, elaboradas por uma comissão especial da Secretaria municipal de Urbanismo, já provocam polêmica. Regina Chiaradia, representante da Federação das Associações de Moradores do Rio (FAM-Rio) no Compur, aprova a exigência dos RIVs.

¿ Hoje, licenças de obras de prédios residenciais ou de atividades comerciais são concedidas sem levar em conta o efeito acumulativo. Em conseqüência disso, os problemas aparecem só depois de algum tempo. Este é o caso dos transtornos no trânsito de Botafogo por causa da grande concentração de colégios particulares ¿ exemplifica.

Para o presidente da Comissão de Assuntos Urbanos da Câmara dos Vereadores, Luiz Guaraná (PSDB), a proposta burocratizaria excessivamente a concessão de licenças de obras e alvarás. E poderia criar uma espécie de indústria de RIVs com qualidade técnica duvidosa:

¿ O ideal seria exigir o relatório em situações excepcionais, como no momento em que uma casa é transformada em boate ¿ sugere Guaraná, que integra uma comissão recém-formada de nove vereadores que debaterá o Plano Diretor antes de ele ser votado em plenário.

Projeto deve ser votado até outubro

A versão final do texto, que ainda poderá sofrer modificações após as discussões do Compur, será apresentada ao prefeito Cesar Maia numa reunião com seu secretariado no fim deste mês. Em maio o projeto deverá ser enviado à Câmara. Nos meses seguintes, a comissão formada no Legislativo realizará reuniões em várias regiões da cidade para discutir o tema e receber sugestões dos moradores. A expectativa é de que o projeto seja votado até outubro.

As mudanças nos limites construídos previstas no anteprojeto se dariam por alterações no chamado índice de aproveitamento de área (IAA) dos bairros. Na prática, o IAA define o valor de mercado de terrenos: quanto maior o índice, maior poderá ser a área construída. Ele é calculado tomando como base a área total do lote. Hoje, na maioria dos bairros da Zona Sul, é de 3,5. Isto significa que, num terreno de mil metros quadrados, por exemplo, a área construída, horizontal e verticalmente, poderá ser até 3,5 vezes maior, respeitando-se o gabarito.

A minuta em discussão no Compur cria IAAs variáveis. O projeto fixa índices mínimos e, caso o proprietário deseje construir pelo teto, teria que pagar uma taxa a ser fixada pela prefeitura. A chamada outorga onerosa seria destinada a um fundo para o financiamento de obras de melhoria da infra-estrutura urbana do Rio.

Na maior parte da Zona Sul, o IAA mínimo seria fixado em 2,5. Para manter os 3,5 atuais, o proprietário teria que pagar a taxa. Mas há exceções: a Urca, considerada um bairro consolidado, sem possibilidade de crescer mais, não teria seu atual IAA (1) alterado. Já o Cosme Velho, por ser cercado por áreas de preservação ambiental, teria seu índice reduzido de 3,5 para o máximo de 2,5.

As mudanças propostas foram recebidas com pessimismo por Fernando Polônia, presidente da Associação Comercial de Copacabana. Para ele, o crescimento desordenado do bairro já é irreversível.

¿ O novo Plano Diretor está chegando tarde demais. Copacabana cresceu muito e já não há mais espaço disponível para construir.

Já na Barra, no Recreio e no Itanhangá, o IAA que hoje é de 1 poderá, com a outorga onerosa, chegar a 4 ¿ nos dois primeiros bairros, para estimular a construção de hotéis. Os índices também seriam aumentados em bairros da Zona Norte, como Méier e Ilha do Governador. Procurado, o secretário de Urbanismo, Augusto Ivan, não se pronunciou sobre o projeto. Já o ex-secretário Alfredo Sirkis, que participou da elaboração da proposta, diz que a estratégia tenta inibir novos empreendimentos na Zona Sul e mudar a forma de ocupação de bairros vizinhos à Barra, como Recreio e Vargem Grande.

¿ A ocupação da Barra se caracterizou pela construção de torres, condomínios e pólos comerciais isolados. Para ir a uma farmácia o morador tem que pegar o carro, pois não temos condomínios em que as áreas residenciais e comerciais ocupem espaços integrados. Mas isso pode ser diferente nas áreas ainda disponíveis para construção, como no lado direito da Avenida das Américas, no Recreio ¿ explicou Sirkis.

Entidade da Barra elogia proposta

O presidente da Câmara Comunitária da Barra, Delair Dumbrosck, gostou das mudanças propostas para a região. Com uma ressalva:

¿ Para crescer ainda mais, a Barra precisa de transporte de massa e da implantação do sistema de esgotamento sanitário. Sem isso, não tem condições de receber mais empreendimentos imobiliários.

A revisão dos índices de aproveitamento de áreas também causa polêmica devido à aplicação da outorga onerosa. Os empresários da construção civil, por exemplo, são contrários à sobretaxa. Numa das últimas reuniões do Compur, o representante da Associação de Dirigentes do Mercado Imobiliário (Ademi), José Conde Caldas, criticou o projeto. O entendimento do setor, explicou na reunião, é que a outorga onerosa até caberia em situações excepcionais. Quando aplicada na cidade toda, não passaria de um imposto sobre a propriedade disfarçado, o que caracterizaria bitributação, pois já é cobrado IPTU.

No caso dos hotéis, o anteprojeto prevê que eles seriam permitidos não apenas na orla marítima como em outras áreas da Barra, do Recreio e de Jacarepaguá. Para facilitar a captação de recursos, poderiam ter numeração de quartos independente (investidores comprariam cotas para financiar as construções).