Título: Palavras erradas
Autor: Míriam Leitão
Fonte: O Globo, 11/04/2006, Economia, p. 36

Um político é acusado de ser nacionalista; um economista é acusado de ser desenvolvimentista. As frases ficam estranhas, porque o sentido de nacionalismo é defender os interesses de seu próprio país; e isso é bom. O sentido de desenvolvimentismo é ser a favor do desenvolvimento; e isso é excelente. O problema com essas duas palavras é que elas estão sendo usadas em lugar de outras bem piores.

Ollanta Humala não é nacionalista; é retrógrado. O candidato que venceu o primeiro turno no Peru diz que segue os passos de Juan Velasco Alvarado, um general tão golpista quanto todos os outros da década de 70, mas que adotou certas propostas da esquerda da época, como encampação de bens de multinacionais, e por isso foi defendido pela esquerda. Era uma espécie de ¿nosso¿ ditador. Fazia o mesmo que todos os outros ditadores militares da América Latina, era um militar como todos os outros ditadores, mas era aceito por ter se apropriado de uma parte do discurso e prática dos que combatiam as ditaduras na época. A esquerda se deixou manipular por aquele específico gorila, tão gorila quanto todos os outros.

Da mesma forma, a esquerda se deixa manipular agora por Hugo Chávez. Ele também um coronel golpista que, em 1992, foi para a cadeia por sua fracassada tentativa de golpe. Sua prática diária é totalitária e os ingênuos se deixam convencer de que ele é um democrata pelo fato de sempre vencer as eleições. Ele se apropriou de todas as instituições eleitorais, legislativas e judiciárias; ameaça a imprensa e usa todo o abundante cofre da PDVSA para seu objetivo de se eternizar no poder. Nada a ver com o ideal libertário dos anos 70 ou com a nova esquerda democrática. Quando faz sua apropriação dos símbolos nacionais, como Simon Bolivar, e se apresenta como sua reencarnação, Chávez não está sendo nacionalista, ele está criando o ambiente para o culto à personalidade. Quando usa a PDVSA para gastar com escolas de samba no Brasil, títulos da dívida argentina, distribuição de combustível a pobres do país mais rico do mundo e deixa Caracas sem os investimentos necessários para se tornar uma cidade habitável, ele não está sendo nacionalista, está dilapidando o patrimônio dos venezuelanos em gastos que nada têm a ver com os interesses da Venezuela.

O nacionalismo de Evo Morales é igualmente discutível. O que há de bom nele é representar a maioria indígena, mas, quando espanta os investidores externos, quando, com suas ameaças e atos, paralisa investimentos produtivos, está contra os interesses da Bolívia. Sozinho, o país não tem a menor chance de usar o gás para alavancar seu crescimento; acabará tão pobre quanto estava quando acabou o ciclo do estanho. O gás é um patrimônio boliviano, Morales deve cobrar os impostos e os compromissos para o desenvolvimento, mas rasgar contratos e desapropriar bens de empresas como a Petrobras é um tiro no pé. A estatal brasileira foi muito criticada quando financiou e construiu o gasoduto. Diziam que ligava nada a coisa nenhuma. Mas foi exatamente essa ligação que tornou possível a produção e exportação do gás da Bolívia. Perturbações pseudonacionalistas incentivadas pelo governo, decretos xenófobos e retórica radical só conseguirão conter os investimentos e, portanto, vão apequenar a capacidade produtiva futura da Bolívia.

Morales, Chávez e Humala não são nacionalistas. São expressões caducas de uma retórica que ficou perdida nos anos 70. De lá para cá, o mundo passou por uma revolução tecnológica, fronteiras se abriram, o comércio se intensificou. Nenhum país pode se isolar mais. O que Chávez e Morales deveriam estar fazendo é aproveitar a valorização internacional do que produzem para alavancar o crescimento dos seus países. Podem repetir a maldição do petróleo ¿ e do gás. A maioria dos países passa por ondas de alta dos preços dos combustíveis sem conseguir sair da pobreza ou construir um futuro promissor. A Noruega tem conseguido usar o petróleo a favor do país. Os casos mais freqüentes são de perda dessa oportunidade.

Desenvolvimento é bom e todo mundo gosta. A palavra desenvolvimentista no Brasil qualifica certas propostas que, se postas em prática, produzirão a involução e eternizarão o subdesenvolvimento. Normalmente a palavra é usada para designar pensador, político ou pessoa pública que defende a ampliação dos gastos do Estado para alavancar o crescimento sem controle das contas públicas. Isso leva ao descalabro inflacionário e isto não é desenvolvimento. Faz parte desse pensamento também a elevação de barreiras ao comércio, como havia nos anos 70. Hoje essas barreiras não são apenas obsoletas; são inviáveis, porque o mundo se abriu e a integração entre as economias é mais que escolha, é o caminho inevitável. Desenvolvimentista é também o defensor da idéia de subsídio e transferência de recursos públicos para grupos escolhidos, em geral, através das políticas industriais verticais. Isso não é desenvolvimento: é concentração de renda. Desenvolvimento é um crescimento com menos desigualdade, com investimento forte em educação que promova todos os grupos que normalmente ficam à margem do progresso. Ele tem pressupostos. Só pode haver desenvolvimento em economia estabilizada, com gastos públicos sem desperdício e com transparência. Políticas que ponham em risco a estabilidade e a austeridade não produzem desenvolvimento.

Os jornalistas acabaram incorporando no noticiário diário estas palavras, como nacionalismo e desenvolvimentismo, até por falta de outras. Mas, em geral, elas estão sendo usadas não no seu sentido positivo, mas para designar um tipo de pensamento arcaico, ultrapassado, que ofende os interesses nacionais e retarda o desenvolvimento.