Título: EMPATE DEIXA ITÁLIA ATÔNITA
Autor: Vera Gonçalves
Fonte: O Globo, 11/04/2006, O Mundo, p. 40

Diferença mínima entre votos de Prodi e Berlusconi pode levar país a nova eleição

Aexpectativa em relação aos resultados definitivos das eleições mais radicalizadas da história da Itália deixou o país inteiro em frente à TV até a madrugada de hoje (noite de ontem em Brasília). O pior é que, até então, ninguém ganhara. Era empate. Uma metade exata do país parecia não acreditar no que estava acontecendo: o primeiro-ministro de centro-direita Silvio Berlusconi recuperava a diferença que o separava do opositor de centro-esquerda Romano Prodi. A outra metade suspirava de alívio: os ¿comunistas¿ não ganharam.

O premier mais criticado e ridicularizado dos últimos 60 anos conseguiu virar a mesa e contrariar as pesquisas que davam como certa a vitória de Prodi. Computados mais de 90% dos votos, a berlusconiana Casa das Liberdades tinha 49% na Câmara, e a União, de Prodi, 50,1%. No Senado, a coligação de centro-direita tinha 50% e a de centro-esquerda, 49,1%.

¿ Peço a vocês que sejam pacientes ¿ disse Prodi a uma multidão de simpatizantes no centro de Roma ¿ Não entendemos o que está acontecendo.

O que vai ser desse país? Ninguém se arriscava a responder à pergunta antes da divulgação dos resultados definitivos da apuração. O impasse só poderá ser resolvido com novas eleições. Dificilmente será viável uma solução à moda alemã, com um governo de unidade nacional. As duas forças parecem inconciliáveis para uma convivência forçada.

Senador chega a reconhecer derrota

Para os opositores, o clima em Roma à tarde era de vitória anunciada. Na praça Santi Apostoli, militantes e simpatizantes mantinham os olhos colados nos telões armados diante de um caminhão que acompanhara Prodi Itália afora durante a campanha. Diante da sede do partido Força Itália, de Berlusconi, só havia deputados e jornalistas. Paolo Guzzanti, senador do Força Itália, chegou a se resignar com a derrota:

¿ As cifras podem mudar um pouco, mas está claro que a centro-esquerda ganhou e a centro-direita perdeu. Teremos que organizar a oposição ¿ afirmou.

Mas quem estava pronto para festejar voltou para casa sem saber como acabaria o estranho dia de apuração.

No início, tudo parecia confirmar as pesquisas: a União tinha vantagem ¿ pequena no Senado, bem maior na Câmara. Mas as horas passavam e a diferença entre as duas forças diminuía. Os números foram pingando lentamente dos computadores do Ministério do Interior. Com o avanço de Berlusconi, a sensação era de que ganhava uma Itália mais silenciosa e desconfiada, que não pretendia sequer festejar a vitória. Opositores reagiram com choque e incredulidade. Já o premier se manteve longe do público, deixando esse contato por conta de assessores.

¿ O cenário neste momento é de que ou vencemos com uma estreita margem ou eles vencem com uma estreita margem ¿ disse Fabrizio Cicchitto, coordenador do Força Itália.

Só hoje ao meio-dia os italianos deverão ter respostas definitivas sobre o voto. O pior cenário seria o empate. Isto quer dizer uma maioria na Câmara diferente daquela do Senado. O impasse foi provocado por uma nova lei eleitoral proporcional, desenhada e aprovada pela maioria parlamentar de centro-direita em dezembro para reduzir as chances de vitória dos adversários. A lei foi redigida sem consultas aos partidos da oposição.

A grande maioria das cadeiras é outorgada pelo sistema proporcional, que prevê o chamado ¿prêmio de maioria¿, ou seja: a coligação vencedora, qualquer que seja o percentual dos votos, tem a garantia de um mínimo de votos: 344 na Câmara (num total de 630). Na Câmara, o prêmio é calculado sobre os votos em conjunto, em todo o país. No Senado, o prêmio é regional. As regiões italianas são vinte, e cada uma tem um ganhador diferente.

Os únicos dados definitivos eram os da participação nas urnas. Votaram 83,4% dos 50 milhões de eleitores convocados. Nos programas de TV, discutiam-se do fracasso de todas as pesquisas de opinião. Fausto Bertinotti, secretário do Partido da Refundação Comunista (7% dos votos), explicou assim o curto-circuito das pesquisas:

¿ Quem vota no partido de governo muitas vezes tem vergonha de assumir seu voto. E mente na pesquisa.

Nos últimos dois anos, a aliança de centro-esquerda dominou as pesquisas, beneficiando-se de um amplo descontentamento dos eleitores com a economia estagnada e o alto curso de vida. Mas nas últimas semanas Berlusconi se destacou com declarações bombásticas e ferozes ataques à oposição. Teria superado Prodi na semana final, depois de prometer abolir um impopular imposto predial.