Título: IMIGRANTES TOMAM AS RUAS DOS ESTADOS UNIDOS
Autor: José Meirelles Passos e Helena Celestino
Fonte: O Globo, 11/04/2006, O Mundo / Ciencia e Vida, p. 43

Manifestações pacíficas em cem cidades americanas exigem que nova lei para clandestinos seja mais justa

WASHINGTON e NOVA YORK. Depois de sete anos na clandestinidade, evitando ao máximo meter-se em problemas com as autoridades, sob o risco da deportação, o pedreiro salvadorenho Júlio Sanchez decidiu deixar a prudência de lado e encarar o que definiu como o maior desafio de sua vida. Ele foi um entre os centenas de milhares de imigrantes ilegais ¿ em sua grande maioria latino-americanos ¿ que marcharam ontem em cem cidades dos Estados Unidos, correndo o risco de ser apanhados por agentes federais, para exigir uma nova lei de imigração mais justa.

¿ Depois de pensar muito, junto com a minha esposa, cheguei à conclusão de que era hora de enfrentar a questão de frente ou passar o resto da vida aqui como um cidadão de terceira categoria ¿ disse ele ao GLOBO, segurando uma bandeira dos EUA e carregando nos ombros o filho Pablito.

A palavra dignidade foi a mais repetida nos discursos realizados em todo o país:

¿ Queremos mostrar ao mundo que somos pessoas e queremos viver como seres humanos neste país ¿ disse uma mulher chamada ao palco ao ar livre, tendo o Congresso americano como pano de fundo.

Ted Kennedy e Hillary participam de passeatas

O senador Ted Kennedy foi o primeiro dos convidados a falar na capital. Depois de saudar a imensa platéia com várias frases em espanhol (¿Obrigado por terem vindo reivindicar justiça para todos os imigrantes¿, foi uma delas), ele lembrou em inglês (com tradução simultânea) que os EUA são um país de imigrantes. E depois de prometer não desistir de obter uma nova lei mais justa para todos, ele reforçou a idéia disseminada pelos organizadores do protesto de que se tratava de um novo movimento pelos direitos civis, como o dos negros nos anos 60.

¿ Muito próximo daqui, do outro lado da rua, Martin Luther King convocou o país à liberdade, há pouco mais de quatro décadas. Chegou a hora de a liberdade reinar aqui de novo ¿ disse ele, arrancando aplausos.

Diante dele a multidão agitava cartazes em inglês e em espanhol, com dizeres como ¿Nós somos a América¿ e ¿Não somos criminosos¿. O maior invocava interesses comuns de americanos e imigrantes: ¿Sejamos justos: eles precisam de nós tanto quanto nós precisamos deles¿.

¿ Acho que esse incrível comparecimento maciço aqui e em várias cidades reflete a profunda sensação de que temos neste país um sistema falido de imigração que precisa desesperadamente ser consertado ¿ disse Eliza Leighton, do grupo de defesa dos imigrantes Casa de Maryland.

Milhares de imigrantes desfilaram pacificamente ontem à tarde pela ruas de Nova York carregando bandeiras dos EUA e de seus países de origem, cantando canções e gritando palavras de ordem pedindo a legalização para os 12 milhões de trabalhadores clandestinos que vivem nos EUA. Partindo de três pontos diferentes da cidade e superando as expectativas dos organizadores, os manifestantes convergiram para a prefeitura, onde vários líderes discursaram, entre eles a senadora Hillary Clinton, pedindo ao governo uma rápida solução para os trabalhadores sem papéis. O prefeito de Nova York, Michael Bloomberg, não participou da manifestação mas enviou uma mensagem de solidariedade.

¿ É o novo movimento pelos direitos civis ¿ disse Judith Lebblanc, da United for Peace and Justice, a coalização contra a guerra que como todas as outras organizações de direitos humanos e pacifistas se uniram ao movimento dos imigrantes.

Em Nova York, como em todos os Estados Unidos, a Igreja Católica teve papel fundamental no sucesso da manifestação, com todas as paróquias ajudando na mobilização, transporte e alojamento dos imigrantes. Indignada com a lei aprovada na Câmara que considera crime ajudar a pessoas ilegalmente nos EUA, os padres declararam que desrespeitariam a legislação e incentivaram os protestos.

Com palavras de ordem em várias línguas os manifestantes expressaram seu desagrado com a decisão do Senado de construir uma cerca da 1.200 quilômetros ao longo da fronteira com o México e a criminalização de qualquer pessoa que de alguma forma, inclusive fornecendo um simples copo de água, ajudar um imigrante ilegal.

Presidente Bush viu, pela televisão, os protestos

Em Nova York, o dia ensolarado e a temperatura primaveril contribuiu para o sucesso da manifestação, que, diferentemente do resto do país, reuniu não apenas hispânicos mas gente vinda de várias partes do mundo, como chineses, coreanos, franceses, italianos, africanos, brasileiros e muita gente de ex-repúblicas soviéticas.

O presidente George W. Bush, que interrompeu o seu trabalho alguns minutos para ver pela TV imagens de marchas em várias cidades, e inclusive a concentração que se realizava a apenas três quadras da Casa Branca, comentou:

¿ Esse é um sinal de que esse assunto é importante, e que as pessoas têm fortes sentimentos a respeito dele.

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