Título: CONTROLE DO PÚBLICO
Autor: Merval Pereira
Fonte: O Globo, 15/04/2006, O País, p. 4

A coluna de quinta-feira, em que reproduzi o relatório da comissão que a Bolsa de Valores de São Paulo enviou à Austrália e à Nova Zelândia para estudar maneira de encarar a administração pública utilizada naqueles países, com a busca de resultados através de uma gestão eficiente e metas a serem atingidas, tanto financeiras quanto qualitativas, despertou interesses os mais diversos, e reparos ao pouco entusiasmo que demonstrei com a viabilidade de implantação do projeto num país como o nosso, com tamanhas questões sociais a serem enfrentadas, e uma imensa máquina burocrática que atende aos interesses políticos, em todos os níveis da Federação.

Raymundo Magliano Filho, presidente da Bolsa de Valores de São Paulo, define os objetivos do documento que será entregue aos candidatos a presidente da República: ¿Estamos tentando transformar a contabilidade pública em privada. Um tema que sempre foi muito da Bolsa, a transparência, tem que ser levado para o contexto público. Tem que ser buscada a qualidade do serviço público, especialmente na saúde e na educação¿, diz ele. Magliano diz que, para isso, é preciso ¿convencer os políticos de que tendo mais dinheiro, acabando com o desperdício, haverá mais verba no Orçamento para os programas sociais. Os países não têm verba, mas se o estado for racionalizado, vão ter mais condição para investir¿.

A experiência de gestão do Estado nos moldes de uma empresa privada é nova entre nós, mas é uma tendência crescente nos países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a entidade que reúne os países desenvolvidos. Austrália e Nova Zelândia foram os pioneiros, no final da década de 80. O movimento iniciado na Oceania chegou, na primeira metade da década de 90, a países como Canadá, Dinamarca, Finlândia, França, Holanda, Suécia, Reino Unido e Estados Unidos.

No final dos anos 90 e início do século XXI, foi a vez de Alemanha, Áustria e Suíça introduzirem novas versões dessas reformas. Segundo relatório do OCDE, as abordagens dos países em relação à gestão de desempenho estão em constante evolução. Austrália, Nova Zelândia e Holanda começaram concentrando-se nos produtos, e agora estão mudando para uma abordagem mais voltada a resultados. A França aprovou uma lei que exige a produção de resultados, e nos Estados Unidos os ministérios desenvolveram planos estratégicos que incluem metas de desempenho.

Uma pesquisa com base no banco de dados de práticas e procedimentos de orçamento do Banco Mundial/OCDE de 2003, em 28 dos 30 países membros, concluiu que:

- 72% dos países da OCDE incluem dados de desempenho não-financeiros em seu orçamento;

- 18% dos países (como Holanda e Nova Zelândia) relacionam gastos com todas ou com a maioria de suas metas finais;

¿ 11% dos países possuem mecanismos formais para premiar os funcionários públicos, com a combinação entre desempenho, metas atingidas e bônus salarial;

¿ O ministro ou chefe de departamento é formalmente responsável por estabelecer as metas de desempenho em 67% dos países;

¿ O desempenho em comparação com as metas é continuamente monitorado no ministério competente em 56% dos países.

Um exemplo das dificuldades que a cultura política do nosso país impõe à implantação de um sistema como esse encontramos no município do Rio de Janeiro, teoricamente um dos lugares mais avançados da política brasileira. A vereadora do PSDB Andréa Gouvêa Vieira conseguiu aprovar na Câmara emendas ao orçamento que introduziam planilhas referentes a metas, prioridades e obrigações do município.

A proposta, inédita no Brasil, tinha o objetivo de fortalecer o Poder Legislativo e implantar a transparência fiscal no município. Mais: implementava o que já está previsto na Constituição Federal, na Constituição Estadual e na Lei Orgânica do Município, mas que não é cumprido por nenhum dos níveis do Poder Executivo, que informam apenas genericamente as metas e prioridades do orçamento.

¿O Executivo deverá explicar os meios para alcançar estas metas, quanto custou o seu cumprimento, quem foi o gestor responsável. E se a meta não for cumprida, teremos a quem responsabilizar¿, explicou na ocasião a vereadora. Pois o prefeito Cesar Maia vetou a iniciativa.

Ester Inês Scheffer, especialista em gestão pública e assessora da vereadora Andréa Gouvêa Vieira, diz que pesquisas de entidades internacionais identificaram orçamentos mal elaborados como causa das crises que muitos países vivem. Não por falta de dinheiro, mas pela falta do controle social dos orçamentos públicos e de transparência fiscal. Ela conhece bem os contratos de gestão de países como a Austrália, e cita que lá a saúde pública tem cerca de 56 indicadores que devem ser observados pelos gestores, começando pelo tempo de espera do atendimento e terminando com o índice de retorno por complicações causadas pelo primeiro atendimento.

No Brasil, um exemplo de como os contratos de gestão podem dar resultado é a Associação das Pioneiras Sociais, que administra a Rede Sarah, hospitais transformados em centros de excelência geridos por meio de um contrato de gestão, firmado em 1991 com a União, que explicita os objetivos, as metas e os prazos a serem cumpridos.

Agora mesmo, no entanto, a Rede Sarah está enfrentando um problema causado pelo corporativismo que ainda rege as relações de trabalho no Brasil. O sindicato dos fisioterapeutas conseguiu aprovar uma lei que limita o horário de trabalho a seis horas diárias. Como as metas acertadas pelo Sarah com o Ministério da Saúde se baseiam num trabalho de dedicação exclusiva de todos os seus funcionários, elas terão que ser reduzidas, com prejuízo para a população, se não houver uma solução jurídica adequada. (Continua amanhã)