Título: A VITÓRIA SOBRE O TÚMULO
Autor: D. EUGENIO SALES
Fonte: O Globo, 15/04/2006, Opiniao, p. 7

Ocristianismo é uma religião que exalta a vida, portanto, é de vivos. Na Semana Santa rememoramos que Cristo, enquanto Deus, jamais experimentou a morte mas, como homem, sofreu a derrota se entregando aos algozes, para nos remir do pecado. Está na Escritura Sagrada. Ao recuperar, por poder próprio, o sopro vital de sua natureza humana, assegura a veracidade de toda a sua Doutrina. Somente um Ser onipotente poderia operar tal milagre. Por isso, São Paulo nos diz: ¿Se Cristo não ressuscitou, vã é a nossa fé¿ (1Cor 15,14). Evidentemente, o sair vitorioso do túmulo pressupõe que a parte humana provou o anunciado no Gênesis: ¿Pois tu és pó e ao pó tornarás¿ (3,19).

Toda a liturgia desse tríduo sagrado, mesmo na Sexta-feira Santa, ao recordar o Calvário, sempre exprime a certeza da superação da derrota momentânea a ser alcançada na Ressurreição. Toda a celebração se concentra nesse seu cume.

Há uma cerimônia de rara beleza que traduz, em seu simbolismo, toda essa verdade: a vigília da Páscoa. Ela se inicia com a bênção do fogo, que ilumina as trevas em que está mergulhado o templo. A luz é o Cristo que vence a escuridão em que viviam os homens e toda a criação.

A segunda parte dessa vigília revive, com as leituras bíblicas, toda a história da salvação. A este mundo chega a luz de Cristo. Completa-se essa etapa com o canto do ¿Glória¿ e a proclamação da Ressurreição do Senhor.

A terceira parte envolve a nossa participação, através do batismo, que nos integra no próprio corpo místico de Cristo.

Toda a grandiosidade do Sábado Santo é desperdiçada por muitos cristãos. Permanecem em suas casas ou buscam no turismo o descanso, mesmo compreensível, mas em prejuízo de toda essa riqueza sobrenatural.

Com o Domingo de Páscoa, encerramos o tríduo sagrado. Deve ser celebrado com toda a solenidade possível. Nele se insere nossa salvação eterna. E durante cinqüenta dias essa alegria perdura e se completa com a festa de Pentecostes. Durante esse período o círio pascoal ocupa um lugar de honra nas cerimônias, é a luz de Cristo que continua a iluminar e guiar o homem.

Em muitos lugares, costumes piedosos, como a bênção de casas, ajudam a fortalecer o aproveitamento espiritual destas verdades.

O efeito característico do Domingo da Ressurreição e do período litúrgico que se lhe segue é a alegria. Quem a confunde com o deleite dos sentidos e das paixões jamais entende o júbilo dos cristãos, por viverem segundo os ensinamentos de Cristo e, de modo especial, quando se unem à sua vitória sobre o túmulo.

A Sagrada Escritura, repetidas vezes, convida-nos a essas manifestações. Assim faz o salmista (Sl 103,34): ¿Eu tenho em Javé a minha alegria.¿ São inúmeras as passagens bíblicas em que o júbilo é anunciado, usufruído, prometido aos que estão tristes, elogiado, favorecido. A revelação de Deus aos homens inclui essas exteriorizações de contentamento, nas mais diversas ocasiões da existência humana.

O Novo Testamento está repleto destas demonstrações. Passada a tormenta, ¿voltaram cheios de alegria a Jerusalém¿ (Lc 24,52). A realidade desse sentimento difere da que se origina de um espírito pecaminoso. Por isso, em meio a perseguições pelo Nome de Jesus, ¿os Apóstolos saíram do Conselho alegres de terem sido julgados dignos de sofrer essas afrontas pelo Nome de Jesus¿ (At 5,41).

Esse entusiasmo é permanente e perpassa toda a vida cristã, através dos séculos.

Na festa da Ressurreição do Senhor, essa realidade deve ser recordada. Somos um povo feliz em Deus, mesmo que a dor e o sofrimento constante nos acompanhem. O júbilo interior, manifestado, muitas vezes, no exterior, tem por fundamento Cristo, que, glorioso, antecipou-se, pela sua Ascensão, à nossa chegada à Casa do Pai.

São motivações, muitas vezes esquecidas ou postas de lado, que sustentam a vida cristã e seus esforços por resistir ao mundo circundante. Este é ruidoso, fala de uma alegria falsa, que atende ao momento presente, mas deixa um vazio profundo e angustiante.

Nesses dias sofridos que vive nossa Pátria, devemos nutrir sentimentos evangélicos, pois eles geram a esperança, a grande força motriz no desenvolvimento do país e no fortalecimento de nossa vida religiosa.

Celebremos a vitória de Jesus, a Páscoa do Senhor. Alimentemos com esta verdade nossa existência. Abramos o coração à alegria, a verdadeira e duradoura, a que vem do Senhor e a Ele nos conduz.

D. EUGENIO SALES é cardeal-arcebispo emérito da Arquidiocese do Rio.

O entusiasmo é permanente e perpassa toda a vida cristã, através dos séculos