Título: A TROPA DOS HERDEIROS DO `BICHO¿
Autor: Sérgio Ramalho
Fonte: O Globo, 15/04/2006, Rio, p. 10

Cúpula da máfia dos caça-níqueis contaria com proteção de 86 homens, a maioria policiais

º BPM (Bangu), segundo relatório da SSI

alendo-se da proteção de 32 seguranças, entre eles um

ex-agente federal

Foragido da Justiça há três anos, Rogério Costa de Andrade e Silva, de 43 anos, faz aulas de musculação, costuma jantar em churrascarias conhecidas e não perde noitadas numa boate famosa da Barra da Tijuca. Condenado a 19 anos e dez meses de prisão, ele mantém uma rotina normal graças à proteção de quem deveria prendê-lo: uma escolta formada por policiais militares e civis, bombeiros, agentes penitenciários, tanto da ativa quanto reformados, estaria fazendo a segurança do contraventor. Método usado também por seu rival, Fernando de Miranda Iggnácio, de 41 anos. Levantamento do GLOBO ¿ com base em informações da Subsecretaria de Segurança e Inteligência (SSI), do Ministério Público estadual e da Delegacia de Repressão a Ações Criminosas Organizadas (Draco) ¿ revela que essa tropa de 86 homens, em sua maioria policiais, é acusada de garantir a segurança e a liberdade dos dois contraventores.

Condenado a nove anos de prisão, Fernando Iggnácio já foi visto circulando em Bangu num carro blindado, escoltado por patrulhas do 14º BPM (Bangu). A informação consta de relatório da SSI. O envolvimento de policiais na segurança dos dois contraventores é citado ainda em inquéritos do MP e da Draco que investigam a máfia dos caça-níqueis.

¿ Dos 23 indiciados no inquérito 057/04, que corre em segredo de Justiça, 20 são policiais. Sem o apoio deles, Fernando e Rogério estariam presos ¿- acredita Milton Olivier, delegado da Draco, responsável pela investigação da guerra pelo controle dos caça-níqueis na Zona Oeste.

A análise dos documentos revela que, além de atuarem nas escoltas da dupla, policiais também receberiam semanalmente quantias que variam de R$200 a R$1.250 para não reprimir a exploração dos caça-níqueis. Os valores variam de acordo com a importância do beneficiado no esquema.

¿Caixinha¿ pagaria propina a 34 PMs

Somente numa lista apreendida na sede da Adult Fifty Games, uma das três empresas usadas pelo grupo de Fernando Iggnácio para explorar as máquinas, 34 policiais militares são citados como beneficiários da ¿caixinha¿ do contraventor. Desses, 80% eram lotados no 14º BPM (Bangu). Na lista também figuravam policiais civis e bombeiros.

O grande número de denúncias relacionadas a PMs do batalhão de Bangu levou o delegado Milton Olivier a estudar a viabilidade de uma operação de busca em carros de patrulha da unidade.

¿ Recebemos muitas informações sobre a ligação de policiais da Zona Oeste com Fernando Iggnácio e Rogério Andrade ¿ justifica.

Com 20 homens em sua equipe, o delegado admite ter dificuldades para conseguir prender os envolvidos na guerra dos caça-níqueis. Principalmente Rogério Andrade e Fernando Iggnácio, pivôs do conflito que já deixou um rastro de 12 assassinatos e incontáveis atentados nos últimos quatro anos.

¿ Numa ocasião, fui com uma equipe a uma churrascaria, na Barra, onde Rogério estaria reunido com um grupo de policiais. Quando chegamos ao local não havia mais ninguém. Solicitei a fita do circuito interno, mas argumentaram que o sistema apenas monitorava os clientes, sem gravar as imagens ¿ conta Olivier.

Condenado por encomendar o assassinato do primo Paulo Roberto de Andrade, o Paulinho Andrade, filho do capo Castor de Andrade, em 1998, Rogério não mudou os hábitos para escapar da prisão. Além de freqüentar churrascarias, o contraventor mantém a forma freqüentando academia de ginástica. Uma delas em Padre Miguel, de acordo com as investigações. Cercado por seguranças, ele também pode ser encontrado numa boate da moda, na Barra.

Para circular livremente, Rogério Andrade contaria com uma segurança digna de chefe de Estado. Ao todo, 32 homens, entre policiais e ex-funcionários públicos e militares, são citados nos inquéritos como diretamente responsáveis pela proteção do contraventor. Na linha de frente da tropa haveria um sargento bombeiro, um ex-agente da Polícia Federal e um ex-fuzileiro naval. O número pode ser ainda maior se forem incluídos os policiais beneficiários da ¿caixinha¿ paga para evitar a repressão aos caça-níqueis da Oeste Rio Games, empresa de Rogério.

Rivais na disputa pelo espólio de Castor de Andrade, que morreu em 1997, Fernando e Rogério recorrem às mesmas instituições para recrutar e formar suas escoltas. Dados oficiais mostram que Fernando Iggnácio contaria com patrulhas do 14º BPM para circular por Bangu, onde funciona a sede da Adult Fifty.

Num dos episódios detalhados no relatório da SSI, um capitão e um tenente são apontados como os responsáveis pela escolta de Fernando Iggnácio. Duas patrulhas, uma delas Blazer, foram vistas acompanhando a Cherokee blindada do contraventor na saída da sede da empresa de caça-níqueis.

Morador de São Conrado, o contraventor sofreu um duro golpe do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que confirmou a sentença em que Fernando Iggnácio é condenado pelo Tribunal Regional Federal (TRF) da 2ª Região a cumprir nove anos de prisão em regime fechado. Apesar de a medida ter sido divulgada na última terça-feira, a polícia não foi à procura do contraventor no endereço citado no processo.

Apontado pelo ex-PM Jadir Simeone ¿ preso sob a acusação de ter assassinado Paulinho Andrade ¿ como o mandante do crime, Rogério ficou preso apenas 90 dias na Polinter. Apesar de ter sido condenado, o contraventor ganhou a liberdade graças a um hábeas-corpus concedido pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) em 2003. A medida judicial foi revogada, mas Rogério está foragido.