Título: 'ESTOU SENDO USADO CONTRA UM PACIENTE'
Autor: Tatiana Farah
Fonte: O Globo, 18/04/2006, O PAÍS, p. 4

Acupunturista de Alckmin diz que não recebeu `um único centavo do estado para fazer convênio¿

O acupunturista Jou Eel Jia saltou das colunas sociais e de aconselhamento médico diretamente para o fogo cruzado da política brasileira. Médico do ex-governador Geraldo Alckmin (PSDB), Jou mantém uma série de convênios com o governo do estado e sua revista, embora recém-criada, recebeu anúncios de duas estatais. Reservado, tem evitado holofotes. Continua dando expediente todos os dias em sua clínica, mas se esquiva dos jornalistas. Nesta entrevista, por e-mail, conta sua história pela primeira vez:

O senhor é um médico reconhecido, com uma carreira estável. Como está se sentindo em meio às acusações? JOU EEL JIA: Estou triste por ser usado contra um paciente, que no caso é o ex-governador. Tenho pacientes pertencentes a outros partidos e me sentiria do mesmo modo se fosse usado contra qualquer um deles. Ao mesmo tempo, estou tranqüilo, pois toda a minha vida é pautada pela verdade. Não tenho rigorosamente nada a esconder e sequer desmarquei qualquer uma de minhas consultas.

Desde que começou essa confusão, o senhor conversou com o ex-governador Geraldo Alckmin? Recebeu solidariedade? São amigos há muito tempo? JOU: Conheci o ex-governador cerca de uns oito ou dez anos atrás, quando ele era vice. Fomos apresentados por um paciente que é amigo dele. Quando começou essa confusão, falei com ele uma única vez e ele também está muito tranqüilo, pois me conhece e sabe que nem eu ou minha equipe recebemos um único centavo do estado para fazer qualquer convênio.

Essa situação de denúncias afetou o seu cotidiano? JOU: Tenho recebido demonstrações de solidariedade dos meus pacientes, sem exceção. Eles sabem que não querem me atingir, e sim ao ex-governador.

O senhor imaginou que o envolvimento com projetos do governo teria essa repercussão? O senhor se arrepende? JOU: Eu comecei a trabalhar neste projeto porque, como médico, é minha obrigação ajudar o próximo. Como cidadão também. Cheguei ao Brasil numa sexta-feira vindo da China, quando tinha 12 para 13 anos. Na segunda-feira já estava na escola, sem saber uma única palavra de português. Foi minha professora Iara que me ensinou. Com 16 ou 17 anos, sem ter acabado o segundo grau, passei na Escola Paulista de Medicina. Sou eternamente grato ao Brasil e sei a importância dos professores, que me acolheram e permitiram que eu estudasse. Minha dívida com o Brasil é eterna e, toda vez que puder retribuir, farei isso.

Como surgiu o interesse do governo para o termo de cooperação técnica para o Li¿en Chi? JOU: Aconteceu de modo indireto e foi através de um convênio que tenho há mais de 15 anos com a prefeitura de São Paulo para ensinar acupuntura aos médicos, sempre gratuitamente. Um dos médicos que estava fazendo o curso era da Polícia Militar. Ele me pediu para dar um curso de Li¿en Chi aos professores de educação física da PM, que iriam repassar isso aos policiais. A Dona Lu era minha paciente e comentei com ela o trabalho que estava fazendo. Aí ela disse que eu precisava ensinar isso aos professores da rede estadual. Achei ótima idéia, pois poderia retribuir parte das coisas que ganhei dos meus professores para a nova geração. Ela falou com o secretário Chalita (Gabriel Chalita, ex-secretário de Educação) e começamos o trabalho. Volto a dizer: nunca recebi e nunca me foi oferecido nenhum tostão para fazer qualquer curso. Quem deve ao país sou eu, e não o contrário.

O senhor afirma não receber remuneração, como diz também o governo. O senhor trabalha sozinho? Quem cuida das despesas de sua equipe e dos gastos dos cursos? JOU: O meu trabalho e o da minha equipe é feito gratuita e voluntariamente. Sou eu quem paga todas as despesas da minha equipe, como gasolina, refeições e pedágio. Mas se você está perguntando quem paga os ônibus e a alimentação dos 29 mil professores já capacitados, é a Secretaria de Educação. Os convênios com as outras secretarias não foram para frente, mas todos eram gratuitos.

Quantas pessoas se hospedaram no spa Ch¿an Tao no ano passado? JOU: Foram cerca de 1.800 hóspedes, dos quais 864 eram professores.

Pelo calendário da secretaria, este ano haverá mais 16 cursos, o que leva a crer que serão no mínimo mais 640 professores. O que o senhor tem a falar sobre isso? JOU: Acho ótimo que a Secretaria de Educação continue com o convênio. Acho que sua pergunta é se eu ganho alguma coisa com isso. Eu ofereço o spa, a estadia e as refeições. Como disse antes, não cobro nada pelo curso nem pelas palestras. A diária normal custa R$165 e, dos professores, eu cobro preço de custo, que é de R$70. Quem fornece a diária para a estadia dos professores é a Secretaria de Educação e eles podem utilizar o valor que a secretaria lhes destina nos hotéis que bem entenderem. Para mim, é um prazer recebê-los.

No caso da revista ¿Ch¿an Tao¿, como o senhor obteve os anúncios? A negociação foi feita com quem? JOU: Como a maioria das revistas, ela sobrevive de anúncios e de compra em banca. Encaminhamos pedidos por escrito para as áreas responsáveis de diversas empresas, tanto públicas quanto privadas.

Por que o senhor ficou encarregado de fazer os anúncios com as estatais e não o pessoal de publicidade da editora, que já fazia isso com as empresas privadas? JOU: Não é bem assim. Assim como solicitamos para empresas públicas, também pedimos para a iniciativa privada. E conquistamos anunciantes de ambos. O procedimento é o mesmo para qualquer empresa.

Como nasceu a empresa de sua filha Suelyen Jou e de Thomaz Alckmin? O senhor tem participação nela? JOU: Não participo e a JT é uma empresa minúscula. Como eu tratei o Thomaz, ele aprendeu sobre ervas medicinais. A Suelyen, obviamente, já conhecia. Os dois se tornaram amigos e então resolveram abrir uma microempresa. A Suelyen me perguntou o que eu achava e eu disse que era um negócio difícil, com competidores muito bons e com lojas em shoppings. Mas filhos a gente só controla quando pequenos. E acho muito boa a iniciativa deles, ainda que como negócio eu tenha as minhas dúvidas.