Título: MIGUEL REALE, 95 ANOS, JURISTA E PROFESSOR
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Fonte: O Globo, 15/04/2006, Rio, p. 15

SÃO PAULO. O conjunto de leis que mudou a vida dos brasileiros nos últimos quatro anos teve Miguel Reale como um dos mentores. Após quase três décadas de tramitação no Congresso Nacional, o Código Civil Brasileiro foi promulgado em 2002, trazendo progressos vários à vida dos brasileiros. Reale definia o novo código como ¿a constituição do homem comum, pois dispõe sobre a situação social e a conduta dos seres humanos, mesmo antes de seu nascimento e depois de sua morte¿.

¿ É obra que perdurará, porque vai regular a vida de todos os brasileiros, no seu cotidiano. Seu pensamento e ideais de Justiça estarão presentes, todos os dias e, para mim, isso significa uma alegria no dia em que a perda dele me faz pensar sobre o mistério da vida ¿ disse ontem o filho do jurista, o advogado e ex-ministro da Justiça Miguel Reale Júnior.

Muito além do auxílio fundamental para o Código Civil, Miguel Reale pai participou intensamente da vida pública brasileira. Foi secretário de Justiça de São Paulo por duas vezes (nos anos 40 e 60) e também reitor da Universidade de São Paulo (USP), em 1949 e em 1969. Em 1969, também, foi nomeado pelo presidente Arthur da Costa e Silva para a Comissão de Alto Nível, incumbida de rever a Constituição de 1967. Foi um dos principais elaboradores do Tratado entre o Brasil e o Paraguai para a construção, no Rio Paraná, da hidroelétrica Itaipu Binacional, dando-lhe a estrutura jurídica de ¿empresa binacional¿.

Formado em direito pela Universidade de São Paulo, Reale é autor da tese ¿Fundamentos do direito¿, de 1940, que se transformou em referência para a ¿Teoria tridimensional do direito¿, obra que tornaria o jurista conhecido e respeitado mundialmente. Ele também lecionou em diversas universidades, no Brasil e no exterior.

Atuação destacada também na área da filosofia do direito

Além do direito, Miguel Reale também teve uma atuação destacada na área da filosofia. Foi o fundador, em 1954, da Sociedade Interamericana de Filosofia, entidade que presidiu por duas gestões. Como escritor, Reale é autor de mais de 60 obras, tratando de temas como filosofia, teoria geral do direito e filosofia jurídica.

Ele integrava a Academia Brasileira de Letras (ABL), onde era o ocupante da cadeira de número 14, para a qual fora eleito em 16 de janeiro de 1975. Aos 95 anos, lúcido, o jurista cativava platéias com sua cultura e sofisticação. Enquanto a saúde permitiu, costumava ir diariamente ao escritório, onde trabalhava principalmente com pareceres.

Natural de São Bento do Sapucaí, no interior paulista, Reale, acima de qualquer outra característica, era um apaixonado pelo direito. Ele interrompeu uma tradição de seis gerações de médicos na família. Entre eles, o seu pai, Braz Reale, com quem chegou a São Paulo, vindos de Itajubá (MG), com 11 anos.

Também gostava do trabalho como professor. Reale contava a amigos que a vocação para o ensino nasceu ainda na adolescência, quando dava aulas de francês e latim para estudantes de escolas particulares. Ele gostava de lembrar, entretanto, que tentou a carreira de médico, apenas com o objetivo de agradar ao pai. Mas desistiu da idéia depois de visitar um pronto-socorro. ¿Passei mal¿, recordava-se.

Formou-se em direito em 1934, mesmo ano em que fundou o escritório de advocacia que até hoje leva seu nome. Aos 30 anos, já era catedrático na Faculdade de Direito do Largo São Francisco, da USP, onde havia se formado.

Segundo a família, na noite da última quinta-feira, Reale tinha acabado de assistir ao jogo de seu time, o Palmeiras, que perdera por 3 a 2 para o Cerro Porteño, do Paraguai, pela Taça Libertadores, e preparava-se para deitar, quando sofreu o ataque cardíaco.

¿ Como bom palmeirense, ele sofreu muito com o jogo. Depois, levantou-se e teve um infarto ¿ contou Reale Júnior.

Miguel Reale morreu no início da madrugada de ontem, aos 95 anos, em sua casa, em São Paulo, vítima de um enfarto fulminante. Reale tinha se recuperado de uma anemia que o mantivera hospitalizado havia uma semana.

O corpo do jurista foi velado ontem em sua própria casa, nos Jardins. O sepultamento foi às 16h, no Cemitério São Paulo, em Pinheiros, Zona Oeste da capital paulista. Além de Reale Júnior, o jurista era pai da historiadora Ebe Reale, e deixa quatro netos e quatro bisnetos.

A ABL informou ontem que a missa de sétimo dia em memória de Miguel Reale será celebrada no Rio, na próxima quinta-feira, dia 20, no Mosteiro de São Bento, no Centro do Rio, às 12h. No mesmo dia, às 16h, a ABL realizará a ¿Sessão de Saudade¿, quando a cadeira de número 14 será declarada vaga por Marcos Villaça, o presidente da Academia.