Título: Parte do problema
Autor:
Fonte: O Globo, 17/04/2006, OPINIÃO, p. 6

Discutir a repressão à criminalidade remete de forma inexorável à questão da polícia. Mas não só. Pois hoje se sabe que o combate ao banditismo, no estágio em que ele se encontra, requer ações amplas, múltiplas, coordenadas entre diversos agentes sociais ¿ até mesmo com a polícia. A longa crise de segurança pública que o país atravessa, com focos de extrema gravidade nas maiores regiões metropolitanas, ensina que, se a polícia é parte da solução, ela também é sócia do problema. Parte da criminalidade só existe porque há uma banda podre na polícia ¿ imune, pelo visto, a qualquer governo. Policiais experientes garantem que as armas de guerra vistas nos morros, expostas nas mãos muitas vezes de adolescentes, não vêm de fora. São conseguidas dentro do próprio Rio com a conivência de policiais corruptos e por esquemas montados dentro de quartéis das Forças Armadas. É essa mesma polícia que aterroriza as comunidades das favelas e achaca os traficantes em vez de prendê-los, como registrado no filme ¿Falcão ¿ Meninos do tráfico¿, do rapper MV Bill e de Celso Athayde, da Central Única de Favelas (Cufa). Policiais honestos e competentes são imprescindíveis para se debelar essa crise. E eles existem. Mas precisam ter espaço nas instituições policiais. O esfacelamento do tecido social nas grandes cidades brasileiras criou áreas em que não há Estado, reina o crime. Essa realidade, por si só, ensina que não é a repressão policial o único antídoto a ser aplicado. O ¿Caveirão¿, blindado da PM projetado para entrar nas favelas mais perigosas, não pode ser a única face do Estado a aparecer nessas comunidades pobres. É preciso também despachar para as favelas ambulâncias, material escolar, instalar postos de saúde, e assim por diante. Não é romantismo. O controle da violência passa pelo resgate dessas comunidades, para que o asfalto e o morro voltem a fazer parte da mesma cidade, como no passado.