Título: MORDIDA QUE DÓI NA CLASSE MÉDIA
Autor: Mariza Louven
Fonte: O Globo, 15/04/2006, Economia, p. 17

Estudo em 13 países mostra que brasileiro tem o menor orçamento após pagar IR

Alíquota elevada e gastos com saúde, educação, aposentadoria e outros itens que não podem ser totalmente deduzidos do Imposto de Renda encolhem o orçamento familiar do brasileiro. Os mais afetados pela mordida do Leão são os da classe média, que pagam imposto como se fossem ricos: 27,5% da renda de quem ganha acima de R$2.326 por mês vão para o pagamento do tributo. Por isso, de acordo com simulação realizada pela Ernst & Young no Brasil e em outros 12 países, depois de pagar tudo o que deve o brasileiro é o que fica mais apertado, com pouca ou nenhuma sobra de dinheiro para investimentos, lazer e gastos extras.

¿ Acabo sempre tendo que recorrer ao cheque especial ou ao cartão de crédito porque o dinheiro não dá ¿ afirma o professor Ricardo Cavalcanti.

Como milhões de brasileiros, ele ainda está às voltas com a elaboração de sua declaração do Imposto de Renda. A duas semanas do fim do prazo para entrega da declaração, Cavalcanti conclui que tem poucas e limitadas opções de deduções para compensar as despesas elevadas, principalmente com saúde, obrigatórias no Brasil, onde o sistema público deixa a desejar.

¿ Trabalho em três lugares e ainda assim fica difícil ¿ acrescenta Cavalcanti, que mora em Laranjeiras, próximo à ex-mulher, para economizar com os deslocamentos.

Carga é elevada e retorno, baixo

Cavalcanti criou a Plural Filmes, onde faz produções de cinema e vídeo, dá aulas na Escola Edem e na Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM). Com renda de aproximadamente R$33 mil por ano, divorciado, com duas filhas, ele é tributado pela alíquota máxima de 27,5%, válida tanto para a classe média quanto para os cidadãos mais ricos do país.

¿ Aqui a carga é alta e o retorno do Estado é baixo ¿ afirmou o gerente sênior da Assessoria Tributária da Ernst & Young, Frederico Good God.

No Brasil, quem ganha até R$1.164 não paga Imposto de Renda. Desse valor até R$2.326, a alíquota é de 15% e, acima disto, de 27,5%.

¿ A classe média é a mais sacrificada. Apesar de pagar muito, não conta com bons serviços de saúde, educação e segurança. E ainda tem que arcar com os custos da aposentadoria ¿ acrescentou a assessora tributária Carolina Rotatori Manso de Castro.

Por isso, a Ernst Young fez uma simulação considerando um contribuinte brasileiro fictício, com renda anual de R$69 mil. Esse valor foi convertido pelo dólar e depois pela moeda dos outros 12 países, para criar personagens com padrão de vida semelhante nos demais locais.

Além da renda, foram consideradas outras características. O personagem fictício é divorciado, paga pensão alimentícia à ex-esposa, está casado novamente e tem dois dependentes (a atual esposa e um filho), e gasta com médicos e educação dos dependentes. Esse típico cidadão da classe média também paga previdência privada, mora em imóvel alugado e está sujeito a impostos estaduais e municipais como o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) e o Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores (IPVA).

Mesmo contribuinte pagaria 5% no Chile

Nos Estados Unidos e na França existem alíquotas até mais altas do que a máxima brasileira. Na França, chega a 48,09%. Mas a faixa de renda pesquisada, de R$69 mil, ou cerca de US$30 mil, nem é tributada.

¿ Esse nível de renda está abaixo da remuneração considerada tributável em alguns países ¿ afirmou Good God.

Aqui, porém, o Estado não garante educação, saúde e segurança de alta qualidade, mas, para a faixa de renda analisada, a alíquota do Imposto de Renda é a mais alta comparada à de todos os países pesquisados. A única exceção é a Índia, onde o mesmo contribuinte pagaria 33,66% de imposto. No Chile, seriam 5%, na Venezuela e na Colômbia, 12%, no México, 13,94%, no Peru, 15%, e na Argentina, 23%. Bolívia e Paraguai não têm imposto sobre a renda e o Uruguai passa a ter o tributo, com alíquota de 10%, a partir de 2006, informa Good God.

As deduções no Brasil também não compensam os gastos elevados com alguns serviços. Apenas Argentina, Estados Unidos e França têm um número maior de abatimentos do que as que são possíveis no Brasil. No entanto, segundo Good God, as deduções aqui são limitadas e as despesas com saúde e educação, altas, compensando, por exemplo, o menor número de deduções existentes em países como o Chile. Já nos Estados Unidos, na França e até no México e na Índia, os gastos com educação ficam a cargo do governo.

Por isso, além das recomendações de praxe, o tributarista Ilan Gorin diz que vale a pena fazer diversas simulações para verificar a maneira mais econômica de acertar as contas com a Receita Federal. Para os casados, diz ele, existe a opção de fazer a declaração completa em conjunto ou separado, a simplificada em conjunto ou separado, um dos dois na simplificada e o outro na completa e por aí vai. Também é importante analisar com quem é mais conveniente deixar os filhos como dependentes.