Título: Procurador acusa João Paulo de ter se beneficiado de licitação na Câmara
Autor: Maria Lima e Bernardo de La Peña
Fonte: O Globo, 13/04/2006, O PAÍS, p. 4

Petista que se livrou da cassação teria desviado cerca de R$800 mil

BRASÍLIA. Na descrição da organização criminosa montada para fraudar licitações e desviar recursos públicos no governo do PT, o procurador-geral, Antônio Fernando de Souza, dedica um capítulo especial ao ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha (PT-SP), absolvido pelo plenário na última quarta-feira. O procurador-geral acusa João Paulo de ter recebido propina de Marcos Valério. Segundo a denúncia, Valério deu R$50 mil ao então presidente da Câmara com um propósito: ser beneficiado na licitação para contratação de agência de publicidade que resultou em fraudes e desvios de recursos. No contrato com a SMP&B de Valério, João Paulo teria desviado R$252 mil para uma empresa do jornalista Luís Costa Pinto, que lhe prestava assessoria direta, e R$536,4 mil para o núcleo publicitário comandado por Marcos Valério. A denúncia lembra ainda que as relações de João Paulo com o ¿profissional do crime¿ Marcos Valério começaram quando ele era um dos coordenadores da campanha de Lula em 2002, se estreitaram em sua campanha de Osasco, custeada já com recursos do valerioduto, e ficaram muito íntimas quando ele chegou á presidência da Câmara.

Schirmer se disse confortado com a denúncia

O relator do processo de João Paulo Cunha no Conselho de Ética , Cézar Schirmer (PMDB-RS), derrotado pelo plenário, diz que se sente confortado com a denúncia oferecida pelo procurador. ¿ Aos integrantes que abandonaram o Conselho de Ética depois da absolvição de parlamentares comprovadamente envolvidos no recebimento ilegal de dinheiro e a mim pessoalmente conforta a posição da Procuradoria sob a luz do Código Penal. A maioria do plenário da Câmara inexplicavelmente absolveu da conduta aética e indecorosa, agora o procurador-geral os indicia por crime ¿ comemorou Schirmer. Segundo o procurador, para receber o dinheiro da propina sem levantar suspeitas, João Paulo envolveu a mulher Márcia Milanesi. ¿Nessa linha, consciente de que o dinheiro tinha como origem organização criminosa voltada para a prática de crimes contra o sistema financeiro nacional e contra a administração pública, o João Paulo Cunha, almejando ocultar a origem, natureza e o real destinatário do valor pago como propina, enviou sua esposa Márcia Regina para sacar no caixa o valor de cinqüenta mil reais em espécie¿. Em seguida, o procurador-geral conclui que, iniciada a execução do contrato entregue a SMP&B, João Paulo desviou R$252 mil em proveito próprio. Esse dinheiro foi repassado ao jornalista Luis Costa Pinto, que oferecia assessoria particular a João Paulo desde 2003. A empresa de comunicação de Costa Pinto, a IFT, foi subcontratada mas nunca teria executado o previsto em seu contrato. ¿A empresa IFT, e esse é o detalhe capital, pertence a Luis Costa Pinto. Na verdade, a subcontratação foi uma armação para que Luis Costa Pinto fosse bem remunerado (vinte mil reais por mês) para prestar assessoria direta a João Paulo Cunha.Contratado pela empresa SMP&B sob o manto formal do serviço apresentado em sua proposta, Luis Costa Pinto prestava assessoria direta a João Paulo Cunha¿, diz a denúncia.

Carta-branca dada à SMP&B classificada de delituosa

Em todo seu parecer, o procurador-geral Antônio Fernando Souza destaca o caráter promíscuo da relação de João Paulo e Marcos Valério. Seja em seus encontros em hotéis, na residência oficial da Câmara, nos presentes dados a sua secretária Silvana Japiaussu, ou a ele mesmo, uma caneta Montblanc. O procurador-geral caracteriza como ¿absurdo e delituoso¿ o fato de João Paulo ter dado carta-branca para que a SMP&B subcontratasse 99,9 % do objeto licitado na concorrência com a Câmara. De uma soma total de R$10.745.902,17, somente R$17.091,00 foram pagos por serviços prestados diretamente pela SMP&B, representando 0,01%. João Paulo Cunha foi procurado, mas não retornou as ligações.