Título: OPRESSOR É O TRÁFICO, NÃO O 'CAVEIRÃO'
Autor: MÁRIO SÉRGIO DE BRITO DUARTE
Fonte: O Globo, 13/04/2006, Opiniao, p. 7

A discussão que se tem feito em torno da utilização de viatura blindada para transporte de pessoal, implemento de proteção oferecido pelo Estado aos policiais que operam em situações e áreas de grande risco, é salutar e enriquecedora.

Refletindo a solidez democrática que alcançou o Brasil dos nossos dias, algumas organizações não-governamentais se apresentam por seus críticos, pretendendo sua extinção e teorizando ser uma ação militarizada baseada na noção da letalidade policial apresentada como eficiência, onde o "inimigo" deve ser eliminado.

As ongs buscam conquistar adeptos para sua campanha em todos os segmentos sociais, distribuindo panfletos, cartões e veiculando mensagens na internet. Com uma retórica anti-"Caveirão", como são conhecidos os blindados do Bope, inferem toda sorte de transgressão e violação possível aos ocupantes das viaturas, e declaram que a polícia utiliza como "desculpa" o discurso de que as comunidades vivem situação de guerra onde, todavia, não há ideologias em conflito, disputa de poder político em territórios e nem presença de observadores internacionais.

Embora refutando tais argumentos, importa-nos reconhecer a legitimidade e a importância dos trabalhos realizados por instância de direitos humanos paragovernamentais, bem como, até que se prove em contrário, a intenção objetiva de se postarem em defesa dos desapossados e indefesos. Todavia, ao atacar o instrumento de proteção dos policiais utilizando argumentos ideologizados, as ongs promovem desinformação e propiciam a si o descrédito.

Vejamos:

Ao contrário do que dizem, o "Caveirão" não é uma viatura militar, mas um carro civil; não possui acopladas metralhadoras, lança-granadas e outros petrechos. É utilizado, essencialmente, para conduzir policiais a locais de alto risco, e nenhum equipamento mortal transporta além do armamento dos soldados.

Após três anos de uso, são raros os casos de acidente e, considerados os tipos possíveis, aquele que poderia causar maior dano, o atropelamento, até hoje nunca ocorreu. Imputar-lhes características letais é revelar absoluto desconhecimento do objeto. Ao inverter a lógica de proteção ao policial pretendida pelo Estado creditando-lhe uma política belicista, as organizações parecem fechar os olhos às táticas utilizadas pelos bandos.

Parecem não saber que os empórios em que estão estabelecidos já de muito se apresentam paramilitarizados; que seus elementos armados se intitulam soldados; seus "olheiros", homens-rádio, ou radinhos, numa alusão aos encarregados de portar transceptores de comunicações nas guerras; que se deslocam em formação de "patrulha", quando todos têm funções bem-definidas: da observação do "território" ao suprimento de munições; da sustentação do fogo ao transporte de feridos.

É forçoso concluir, pois, que, em locais onde estão à espreita, seja em lajes, becos, interior de construções ou trilhas de florestas para letal emboscada, uma estratégia de ação policial que preconize o uso de algumas técnicas militares de proteção individual e coletiva é requerida, com risco de sua inobservância trazer, por conseqüência, a morte de agentes da lei. Mas se o tráfico nefasto, belicamente poderoso, infiltrado nas favelas, apresenta-se com as tinturas culturais do ambiente, isto também não justifica a colocação dessas populações num só caldeirão de estereótipos gerais.

Ninguém merece tratamento hostil e autoritário porque reside em área carente, porque é pobre, negro, homossexual ou pertença a qualquer grupo de minoria. O tom imperativo necessário em ações policiais deve atentar para os protocolos de respeito e urbanidade instituídos socialmente. Os homens do Bope sabem disso. Compreendem que morador é morador e bandido armado é bandido armado. Pretender inferir ao batalhão um rótulo de opressor da favela, inimigo do bem e promotor do mal como se lê nas entrelinhas do discurso das ongs é fracassar na empresa.

Opressor é o tráfico que alicia crianças para "trabalhar" no seu "negócio", expondo-as ao destino cruel das guerras de facção que muito cedo vai tirar-lhes a vida; que escraviza seu organismo somático e psíquico pela dependência química, transformando-os em entes descartáveis.

O Bope intimida, sim, esses criminosos; encurrala-os, força-lhes a debandada, encaminha ao cárcere ou fere, com a mesma arma que empunham, aqueles que buscam atentar contra seus homens, já que este é princípio fundamental do direito: a legítima defesa. Ainda que os bandidos dos nossos dias se disfarcem em etnocentrismos e desfraldem bandeiras sociais, nada são além de criminosos declarados, violadores das normas, leis e valores reconhecidos pela nação brasileira, não podendo receber tratamento reservado a organismos e instituições.

Daí a inexistência de observadores internacionais para fiscalização das convenções e tratados, a que aludem as ongs. Não há guerra, mas criminalidade violenta. Não há revoluções ou insurreições, mas bandidagem sem limites.

É necessário que se vá ao seu encontro. Nenhuma campanha de desarmamento os sensibilizará. Nenhum apelo os tornará mais dóceis. Nenhuma invectiva pelo discursovai tirar-lhes a disposição para expansão do horror imprevisível no local e no tempo. Não é contra as comunidades que o Bope atua, mas contra seus "pseudo-senhores".

Não há guerrano Rio, mas bandidagem violenta esem limites

MÁRIO SÉRGIO DE BRITO DUARTE é comandante do Batalhão de Operações Especiais (Bope).