Título: EPIDEMIA DE DENGUE NA COSTA VERDE
Autor: Maria Elisa Alves/Gustavo Goulart/Dicler Simões
Fonte: O Globo, 13/04/2006, Rio, p. 15

Angra e Paraty já somam 4.891 casos este ano e incidência chega a ser 39 vezes maior que a do Rio

As vésperas de três feriadões - Semana Santa, Tiradentes e Dia do Trabalho - duas das principais cidades turísticas da Costa Verde enfrentam uma epidemia de dengue que pode afetar outras áreas so estado caso turistas sejam infectados. Em Angra dos Reis e Paraty a doença já fez, desde o início do ano, 4.891 vítimas, o que corresponde a 35% dos 14 mil casos registrados em todo o estado. Em Angra já foram feitas 3.361 notificações. Em Paraty houve 1.530 casos desde janeiro.

A taxa de incidência da doença dá uma idéia da gravidade da situação: em Paraty é de 471 pessoas a cada dez mil habitantes - 39 vezes mais alta que a do Rio, onde foram registrados 7.029 casos de dengue este ano e a taxa é de 12 a cada dez mil. Já em Angra, a taxa é de 231 por dez mil (19 vezes maior que a do Rio).

- Não há dúvidas de que Angra e Paraty vivem uma situação de epidemia. A Organização Mundial de Saúde (OMS) preconiza que o índice de infestação de mosquito não deve ser superior a 1%. Em Angra, há áreas onde ele chega a 3,4% e em Paraty, a 4,5%. É claro que houve falhas no combate ao mosquito Aedes aegypti na região - criticou a subsecretária estadual de Saúde, Alcione Athayde.

Segundo Alcione, a propagação do vírus na região é fácil, já que a população não está imune, como em ocorre em áreas onde já houve epidemias antes.

Em Volta Redonda, também no Sul Fluminense, a Secretaria de Saúde está investigando desde ontem a morte, na terça-feira, de Lucinéia Cristina Martins, de 19 anos, no Hospital Municipal do Retiro. Ela pode ter sido vítima de dengue hemorrágica. No mesmo hospital está internada, também com suspeita da forma mais grave da doença, uma adolescente de Barra Mansa.

Em Paraty, onde nos últimos cinco anos tinham sido registrados apenas 64 casos da doença, toda a população, de 32.425 pessoas, está suscetível à dengue. Em Angra, onde houve uma epidemia em 2002, com quase cinco mil notificações, grande parte dos moradores (a população é de 145 mil) também pode contrair o vírus do tipo 3, que circula na região.

Hotéis estão lotados para feriadões

O risco é mais alto ainda para turistas estrangeiros, que costumam lotar a histórica Paraty, que já tem para o feriado da Páscoa ocupação de 90% em seus hotéis. Os moradores do Rio, que já passaram por epidemias, tampouco estão livres:

- Quem já teve dengue causada pelo vírus 2, por exemplo, fica mais suscetível e, se contrair o vírus 3, que circula em Angra e Paraty, pode desenvolver dengue hemorrágica - alerta Alcione, lembrando que Angra já teve este ano quatro casos da forma mais grave da doença.

O secretário de Saúde de Angra, o médico Amilcar Jordão Caldellas, admite que é grande o risco de transmissão da doença, tanto para a população como para turistas. Segundo ele, o número de visitantes nos feriados costuma ser superior a 50 mil, mesma quantidade registrada em Paraty:

- Temos consciência de que é grande o risco de transmissão, mas o que nos deixa mais tranqüilos é a queda do número de notificações nas últimas semanas. Os casos começaram a ser notificados no bairro Grande Japuíba e depois chegaram ao Centro de Angra. Na Ilha Grande já houve dez vítimas. Com o trabalho que vem sendo desenvolvido de combate aos focos do mosquito, temos certeza de que não atingiremos os números de 2002, quando, na maior epidemia de dengue registrada no estado, tivemos 4.872 casos.

A coordenadora da equipe de Vigilância Epidemiológica de Paraty, Patrícia Machado Sanches, informou que vai aproveitar a chegada das famílias que têm casas na região para fazer um trabalho de conscientização durantes os feriadões. Esses imóveis ficam a maior parte do ano fechados:

- Cerca de 20% das casas de Paraty são de turistas e ficam fechadas, o que favorece o acúmulo de água parada e a proliferação de mosquitos. Cada um tem que fazer a sua parte. Temos que alertar que quem não contraiu o tipo 3 da doença corre risco.

Segundo o epidemiologista Roberto Medronho, da UFRJ, como a região é de veraneio, a situação é mais difícil de controlar:

- Muita gente não abre a casa, deixa as piscinas vazias. Como chove muito nas duas regiões, os focos proliferam.

Uma das vítimas em Angra é a estudante de pedagogia da UFF local, Júlia Heller Moraes, de 22 anos, que contraiu dengue hemorrágica. Ela foi internada na Santa Casa de Angra e depois levada para a Santa Casa de São José dos Campos, em São Paulo, onde constataram a forma mais grave da doença. Como os sintomas não passaram, a jovem, que teve alta há dez dias, pretende voltar para São Paulo em busca de ajuda médica.

- Estou voltando a sentir os mesmos sintomas. Os médicos daqui me aconselharam a voltar para o hospital de São José dos Campos. Hoje (ontem), quando fui atendida no setor de epidemiologia, eles falavam que Angra já tinha mais de três mil casos de dengue - disse a estudante.

Os estudantes da UFF e os moradores do prédio onde Júlia mora pediram à Vigilância Sanitária que faça um bloqueio nos locais freqüentados por Júlia para buscar focos do mosquito.

Para combater a epidemia na região, a Secretaria estadual de Saúde montou uma força-tarefa. Além de técnicos próprios e das secretarias de Saúde locais, 90 bombeiros estão à procura de focos de Aedes. A maioria (60 deles) se concentra em Paraty, onde já foram visitados 2.384 imóveis. Até agora foram encontrados e eliminados 2.584 focos do transmissor da dengue. Foram distribuídos 1.279 frascos de um larvicida cubano em Ilha das Cobras, Parque Mangueira, Pantanal, Patitiba e Aeroporto, locais de maior incidência de dengue em Paraty. Em Angra, foram visitados cerca de 12 mil imóveis em cinco bairros. No último mês foram eliminados na região 2.848 criadouros e distribuídos 2.550 frascos do larvicida, também usado no Rio para combater o surto na região de Jacarepaguá.

- Cedemos carros-fumacê, bombeiros, mas a população também tem que ajudar - disse a subsecretária Alcione.

Segundo o epidemiologista Edmílson Migowski, professor da UFRJ, quem pretende viajar para Angra ou Paraty nos feriadões deve tomar alguns cuidados. Ele recomenda que as pessoas que têm casa na região façam uma inspeção no terreno em busca de criadouros de Aedes e não deixem faltar um item essencial na bagagem: o repelente, que deve ser passado durante todo o dia.

No Rio, os 7.029 casos registrados desde janeiro representam um aumento de 3.122% em relação aos quatro primeiros meses de 2005, quando foram contabilizados 196. O número já é sete vezes maior que o de todo o ano passado, quando foram registrados 968 casos. Ontem, em Copacabana, com 98 casos de dengue este ano, foi realizado o Dia D de Combate à Dengue, com ações educativas em praças e ruas do bairro.

COLABOROU Dicler Simões

Doenças nas rotas do turismo

Transmitidas por insetos, doenças que já eram consideradas erradicadas e outras típicas do meio rural se tornaram freqüentes no Estado do Rio. Um morador de Botafogo contraiu malária no distrito de Macaé de Cima, em Friburgo, onde esteve duas semanas antes de a doença se manifestar, no início de fevereiro deste ano. Ele contraiu o tipo mais brando de malária, causado pelo Plasmodium vivax, que provoca calafrios, febre e mal-estar. A doença é transmitida pelo mosquito Anopheles. Segundo a Secretaria estadual de Saúde, em média cinco pessoas contraem malária no estado por ano.

Outras áreas turísticas do estado tiveram a imagem afetada pela malária no passado. Em abril de 2002, quatro pessoas foram contaminadas na Praia do Sono, em Paraty. Os casos teriam sido provocados pelo andarilho argentino Frederico Nicolas Warman, que entrara ilegalmente no Brasil vindo da Venezuela, onde teria contraído dois tipos de malária. Em Duas Barras, cidade vizinha a Nova Friburgo, foram registrados oito casos de malária no primeiro semestre de 2003.

A região de Itaipava, em Petrópolis, foi atingida em outubro passado por um surto de febre maculosa, transmitida por carrapatos infectados pela bactéria Rickettsia rickettsii. Duas pessoas morreram. Durante o surto, a taxa de ocupação dos hotéis da cidade caiu mais de 10%. O movimento só voltou ao normal no fim do ano.

Inclui quadro: "Como combater o 'Aedes' na casa de veraneio"