Título: No trabalho, distância salarial é maior no topo
Autor: Flávia Oliveira/Cássia Almeida/Aguinaldo Novo/Luci
Fonte: O Globo, 13/04/2006, O GLOBO, p. 25

Estudo do IBGE mostra que na faixa dos 10% mais ricos, mulheres ganham apenas 66% do salário dos homens

RIO e SÃO PAULO. O Brasil sabe que está entre os campeões mundiais da desigualdade entre ricos e pobres. Inédito é diagnosticar o abismo entre os ricos e ricas, como fez ontem o IBGE, ao tornar pública a sétima edição de sua Síntese de Indicadores Sociais. Segundo o instituto, a distância salarial entre homens e mulheres é maior nos 10% mais ricos do que nos 40% mais pobres da sociedade. Na base da pirâmide do mercado de trabalho, para cada R$100 do salário deles, elas ganham R$76. No topo, a proporção cai para 66,1% - ou seja, R$66,10 em cada R$100.

- A desigualdade de gênero aumenta à medida que o rendimento sobe - diz Cristiane Soares, economista do IBGE.

A renda média das trabalhadoras pobres é de R$172,03 por mês, enquanto os homens do mesmo segmento ganham R$226,27. Como os 40% mais pobres disputam vagas de baixa qualificação, os salários tendem a se equiparar, explica Cristiane. No topo, onde os salários são mais altos e há melhores postos de trabalho, o privilégio é dos homens: renda mensal de R$3.730,49, contra R$2.466,50 das mulheres.

O cruzamento da renda com a escolaridade também confirma a discriminação por gênero. Mulheres com até quatro anos de estudo ganham 80,8% do salário dos homens de escolaridade idêntica. Já as que estudaram 12 anos ou mais (ou seja, pelo menos começaram uma faculdade) recebem 61,6% do rendimento deles. Outro sinal claro de que são deles os melhores cargos e salários: a proporção de mulheres em cargo de direção é de 3,9%, contra 5,5% dos homens, ainda segundo o IBGE.

Desempregada desde outubro de 2005, a analista de sistemas Tania Cristina Fiel Ferreira de Carvalho ainda guarda mágoas do antigo emprego, o único que conseguiu dentro de sua área. O diploma universitário e os anos na empresa não a fizeram alcançar o salário do colega, que ganhava cerca de 20% a mais na mesma função:

- Era difícil trabalhar anos na mesma empresa, fazer faculdade, e depois descobrir que meu colega, homem, foi promovido antes de mim e ganhando bem mais. Reclamei, mas não adiantou - disse ela, que acabou saindo do emprego e abandonando a carreira. Aos 35 anos, só consegue trabalho como vendedora.

Economista da FGV prevê redução da diferença

Já Regiane Mendes Silva, de 22 anos, foi a primeira mulher a trabalhar num setor estratégico (envase de pó e outras substâncias químicas) de um laboratório farmacêutico de São Paulo. Munida de uma roupa especial para ambientes livres de micróbios, ela trabalhava ao lado de até quatro homens. As tarefas eram as mesmas para todos, mas enquanto ela ganhava R$802 por oito horas diárias, os homens recebiam R$1.300 em média.

Regiane reconhece que os colegas de turno tinham mais tempo de casa, o que justificaria, em tese, a diferença salarial. Mas reclama que as promoções saiam mais depressa para os homens:

- Trabalhava até mais do que alguns colegas. Todo mundo sabia e reconhecia isso, mas a minha promoção nunca chegava. Não teria passado por isso, se fosse homem.

O economista Marcelo Neri, chefe do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas (CPS/FGV), prevê para os próximos anos uma redução na diferença de renda entre homens e mulheres. Ele lembra que, quanto mais jovem a população, mais as meninas superam os meninos em nível de instrução.

- Como o futuro é da educação, o futuro também é das mulheres. É um passo importante que os negros, por exemplo, não conseguiram dar - ressalva Neri.

De fato, os dados do IBGE mostram que o mercado de trabalho é mais rígido com os negros. O rendimento-hora médio dos brancos com 12 anos ou mais de estudo é de R$9,10. Entre os negros com igual qualificação, o salário-hora é de R$5,50, uma proporção de 60,4%. Já os brancos que estudaram até quatro anos ganham R$2,50 por hora, e os pretos e pardos, R$1,90 (76%).

JORNADA EXTRA DA MULHER É BEM MAIOR, na página 26

"Trabalhava até mais do que alguns colegas. Todo mundo sabia e reconhecia isso, mas a minha promoção nunca chegava. Não teria passado por isso, se fosse homem"

REGIANE MENDES SILVA

Funcionária da indústria farmacêutica

INCLUI QUADRO: O ABISMO DE GÊNERO / RENDA MAIOR, DESIGUALDADE MAIOR / A MULHR NO MERCADO DE TRABALHO / MAIS ESTUDO, MAIS DESIGUALDADE / TAXA DE DESEMPREGO POR SEXO