Título: TV DIGITAL: BRASIL A UM PASSO DO PADRÃO JAPONÊS
Autor: Gilberto Scofield Jr.
Fonte: O Globo, 13/04/2006, Economia, p. 29

Japão se compromete a abrir projeto para tecnologias brasileiras e garante participação na gestão do modelo

TÓQUIO. O Brasil está a um passo de adotar o padrão tecnológico japonês - o Integrated Service Digital Broadcasting, ISDB - como base para seu sistema de TV digital. Os governos dos dois países assinam hoje ou amanhã um memorando de entendimento detalhando os pontos principais do uso do padrão japonês. Será a quinta e última versão do documento.

O texto, com as assinaturas dos ministros brasileiros das Relações Exteriores, Celso Amorim, do Desenvolvimento, Luiz Fernando Furlan, das Comunicações, Hélio Costa, dos seus correspondentes japoneses e do próprio primeiro-ministro do Japão, Junichiro Koizumi, será então enviado para análise do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

E há poucas chances de uma negativa de Lula. Afinal, observam os ministros, Koizumi deu o aval governamental ao projeto, como havia pedido o governo brasileiro. Além disso, o documento garantirá três itens que o próprio presidente Lula considerava fundamentais para a adoção de qualquer padrão. O primeiro é a abertura do projeto para o uso de tecnologias nacionais sugeridas pelos centros de pesquisas que ajudaram a criar o Sistema Brasileiro de TV Digital. O aval institucional do governo japonês, disse Amorim, acabou com algum receio que ainda podia haver no setor privado do Japão e transformou o projeto, nas palavras do ministro do Interior e das Comunicações japonês, Heizo Takenaka, num "programa nipo-brasileiro", com o modelo nas mãos do Brasil.

Costa destaca avanços, como criação de conteúdo nacional

O segundo ponto é a instalação de uma fábrica de semicondutores no Brasil e a ampliação do parque nacional de produção de monitores de TV. E, por último, a participação do Brasil na gestão futura do padrão, inclusive, segundo Costa, com assentos nos vários comitês da Associação das Indústrias e Empresas de Rádio (Arib, na sigla em inglês), entidade que gerencia a evolução do padrão ISDB.

- A escolha final cabe ao presidente Lula. Mas o que estamos fechando aqui é uma proposta avançada. Um grupo de trabalho já foi criado para cuidar de detalhes, como garantia de transferência de tecnologia e capacitação de fábricas no Brasil - disse Amorim.

Costa afirmou que houve "enormes avanços" em todos os aspectos, destacando a possibilidade de criação de um conteúdo brasileiro, a multiplicação dos canais da TV aberta e até a produção de conteúdo digital para celulares.

- Há uma clara disposição do governo japonês em avançar em questões de desenvolvimento, como o financiamento da fábrica de semicondutores pelo JBIC (banco estatal japonês que aplica em projetos de intercâmbios com países estrangeiros) ou a isenção de direitos de propriedade intelectual para a TV digital - afirmou Furlan.

Os ministros brasileiros passaram todo o dia de ontem reunidos com seus correspondentes japoneses e com Koizumi, que deu ao encontro ares de comemoração. Ele insistiu em tirar uma foto oficial com todos os ministros de mãos dadas como num time.

Os representantes do governo brasileiro evitaram dar maiores detalhes sobre o memorando a ser fechado hoje, mas garantiram que este avança enormemente em comparação às ofertas das empresas que desenvolvem os padrões europeu e americano de TV digital.

- As visitas de hoje não foram de cortesia. Tratou-se de substância nos encontros, tanto com o governo japonês quanto com as empresas privadas - disse Amorim.

Os ministros estiveram ontem pela manhã na sede da NTT DoCoMo, a maior operadora de celular do Japão, e da Panasonic. Hoje, eles visitam outras empresas, como NHK, Toshiba, Sony e NEC.

- Eu diria que a escolha está praticamente fechada, mas se eu afirmar isso a ministra Dilma Rousseff me mata - disse Costa.

Conheça pontos do memorando

TÓQUIO. O documento que fixa as principais diretrizes entre Brasil e Japão para o uso do padrão japonês no Sistema Brasileiro de TV Digital deve ser assinado hoje. Eis alguns pontos que devem estar no memorando:

Sistema japonês com tecnologia brasileira: O documento obriga as empresas japonesas a incorporar características do sistema brasileiro (TVs que usam antenas internas de recepção de sinal, por exemplo) e tecnologias discutidas no Brasil, além de garantir a transferência de futuras inovações.

Indústria de semicondutores: ainda que apenas a Toshiba esteja interessada no projeto, o governo brasileiro tem outra carta na manga. Segundo o ministro Hélio Costa, a empresa coreana Samsung já se mostrou interessada em construir uma fábrica de condutores para a TV digital brasileira no país, pois considera o investimento uma forma de produzir para abastecer também o mercado japonês a partir do Brasil. O investimento na fábrica será de até US$700 milhões.

Fábricas de TVs: a Panasonic já se mostrou disposta a ampliar sua produção de monitores para o novo sistema, inclusive fazendo do Brasil uma plataforma de exportação maior que as 250 mil unidades exportadas atualmente, segundo o ministro Furlan.

Participação do Brasil na gestão do sistema: O Japão garantiu ao Brasil assentos nos comitês da ARIB (Association of Radio Industries and Business, a entidade que gerencia a evolução do padrão de TV digital ISDB).

Envolvimento do governo japonês: Koizumi garantiu o aval do governo japonês ao projeto. Segundo Furlan, os investimentos das empresas brasileiras (nacionais e multinacionais fabricando no Brasil) na TV digital serão de cerca de US$10 bilhões entre oito e dez anos (conversão de equipamentos, compra de novos aparelhos de TV, compra e instalação de softwares, entre outros).

Novos canais e meios: segundo o ministro Hélio Costa, a tecnologia permitirá a criação de vários canais e a produção mais barata de conteúdo para TV, além de acessos diversificados, como do telefone celular.

Gargalos nacionais: um grupo de trabalho foi criado para resolver possíveis entraves à implantação do sistema, como carga tributária, logística e desembaraço aduaneiro. Segundo Furlan, será feito "um projeto atraente para os investidores".