Título: 'DEPOIS DO PC, FICOU UMA MALDIÇÃO DOS TESOUREIROS'
Autor: Bernardo de La Peña e Soraya Aggege
Fonte: O Globo, 16/04/2006, O PAÍS, p. 3

Amigo de Lula diz que pagou conta dele por pressão de Delúbio

Paulo Okamotto, de 50 anos, não é dado a entrevistas. Discreto, falou pouco desde que seu nome surgiu na crise política. A exposição pública nunca foi o forte de Okamotto, que age nos bastidores há 30 anos, sempre para resolver os problemas de seu maior amigo, o presidente Lula. Na semana passada, atendeu a um pedido de entrevista do GLOBO. Perguntado sobre os motivos de não querer quebrar seu sigilo, ele chorou. Disse que se sente humilhado e que não quer viver a ¿maldição dos tesoureiros¿.

Afinal, quem é Paulo Okamotto, um antigo peão do ABC que virou epicentro de crise nacional? PAULO OKAMOTTO: Um cidadão que tem clareza das dificuldades do país. Um cara que acredita em sonhos e batalha por eles desde que se entende por gente, com família, três filhos. Sou ideológico. Acho que as coisas podem ser diferentes e que estamos num processo.

Como surgiu a amizade com Lula? OKAMOTTO: Eu sempre admirei muito a postura dele, as coisas que ele falava. E sempre o acompanhava. Fui conhecendo mais o Lula pessoa. A gente fazia o PT, fui fundador, dirigente, ajudamos a construir a CUT. E muitos dos nossos companheiros preferiram ir para a CUT e eu quis mais o PT, com o Lula. Acompanhei Lula em todas as suas candidaturas.

Depois chegou o ex-ministro José Dirceu. Mas o senhor continuou sendo o mais próximo de Lula... OKAMOTTO: É, nós somos da mesma cidade, da mesma categoria, militamos muito tempo juntos. É que agora é fácil, Lula é hoje o presidente da República. Mas quando a gente é derrotado, fica pouca gente, não é?

O senhor tem sido muito criticado por operações do passado com o caixa do partido. Qual foi o seu papel? OKAMOTTO: O PT precisava ser construído, mas não foi uma coisa fácil. O processo de ganhar uma prefeitura e governar foi complexo. Fui muitas vezes a Campinas, o PT queria ¿matar¿ o Jacó (Bittar).

Em Campinas foram muito fortes as denúncias de corrupção contra Bittar. OKAMOTTO: Eu não vivo em Campinas, não vivia. Essa coisa de você se meter a apurar denúncias... Você não tem instrumentos, o partido não dispõe deles. Não tem o Ministério Público, o poder de polícia. Eu compreendi muito tempo atrás que o partido não é esse instrumento.

E por que o senhor não autoriza a quebra de sigilo bancário pela CPI? OKAMOTTO: Não há dificuldades de a CPI obter informações do meu sigilo. Só que o processo está errado. Como está montado, para uma devassa em minhas contas, é uma coisa que como cidadão não quero discutir.

Por que não? OKAMOTTO: (Chorando) Sabe o que acontece? Eu tenho uma trajetória de luta contra isso. Na época das greves você era detido e o cara te ameaçava: ¿Você aí, cala a boca, fica aí, quietinho de pé, ou vai ficar preso¿. Presenciei muitas cenas assim, de autoritarismo. Foi uma humilhação permanente. A gente, que tem uma trajetória mais popular, pensa: Por que querem quebrar meu sigilo? Tem dinheiro de empresa, de Valério na minha conta?

Mas teria o pagamento de uma conta do presidente da República... OKAMOTTO: Claro que tem, eu tenho salário para fazer isso.

Há suspeitas de que o senhor não aceita a quebra porque ela revelaria que o senhor não teria pagado, ou usado dinheiro do valerioduto. E alguns amigos seus dizem que sua renda nem permitiria tal generosidade. OKAMOTTO: Tenho, sim. Tenho salário, retiradas e saques no banco. Tenho uma pequena empresa de brindes que tem receita, tenho uma aposentadoria também. Ganho R$24 mil no Sebrae, mais a aposentadoria, a empresa. Creio que tenho uns R$30 mil brutos por mês.

Como foi o pagamento da conta do presidente no PT? OKAMOTTO: Fui cuidar da rescisão do Lula e o pessoal levantou todas as pendências dele, desde 97. Eram lançamentos para viagem. Dirigentes que ficam três, quatro dias fora, pegam dinheiro e, às vezes, não prestam contas ou deixam pendências. E de uma época em que o dólar subia. As despesas da dona Marisa também foram lançadas para o nome do Lula.

A situação estava irregular? OKAMOTTO: Bom, como já estava lançado e a contabilidade do partido tem que ser aprovada pelo Tribunal Eleitoral, e como estava aprovada, não quiseram mexer naquilo e ficaram insistindo na cobrança. E eu não queria criar um constrangimento entre o tesoureiro (Delúbio Soares), o partido e o presidente da República. Houve uma discussão um pouco mais difícil, achei que houve uma responsabilidade do ponto de vista da gestão do partido, porque essas coisas têm que ser cuidadas com mais seriedade, imagine cobrar contas de 97, 98. E a única forma de resolver isso era fazer o ressarcimento ao partido em nome do Lula. Ainda que ele não pudesse dar o dinheiro. Mas daí ele (Delúbio) disse que para fazer isso tinha que ser em dinheiro. Agora dá até para entender porque ele estava tão nervoso, o partido estava com muitas dificuldades econômicas. Então eu resolvi pagar do jeito que eu podia. Arrumei os recursos, saquei, juntei, peguei dinheiro que pedi para minha mulher retirar lá. Fiz as parcelas e paguei.

E o senhor também pagou contas de loja e de campanha da Lurian? OKAMOTTO: É folclore. Dizem que sou contador do Lula. Não sou, não.

A amizade com o presidente aumenta o peso dessa decisão? OKAMOTTO: Olha, o sindicato, o PT me deram uma dimensão do que é este país, da luta que a gente enfrenta. Eu devo isso ao Lula. O que seria do Brasil sem uma liderança como o Lula? Eu tinha dois sonhos na vida: um era eleger o Lula, um peão. E o outro desafio era terminar o governo.

O senhor teme não terminar? OKAMOTTO: Pensava que as dificuldades seriam por outros motivos, do tipo: aumentamos demais as conquistas sociais. E a pressão da elite faz parte desse processo.

O senhor teve uma experiência como tesoureiro. Como o senhor vê a ação do Delúbio Soares? OKAMOTTO: Fui tesoureiro da Frente Brasil em 89 e do sindicato, depois não fui mais. Mas acho que as campanhas políticas levam as pessoas a fazerem dívidas. Eu fiz em outra história, em outro momento. Havia a militância ali, as pessoas ficavam horas em pé para comprar material, para contribuir, passavam lista nas portas de fábricas.

E o pragmatismo acabou com o romantismo? OKAMOTTO: O Brasil tem o problema de fundos. Se todo mundo baixasse a bola e começasse a discutir o financiamento de campanha...

Diante de tantas dificuldades, o presidente pode ainda escolhê-lo para as finanças desta campanha? OKAMOTTO: Não voltaria porque isso precisa ser feito por quem tenha mais relações. O ideal é o tesoureiro do partido, ou arrumarmos um empresário acima de qualquer suspeita.

O senhor já sofreu várias acusações. O cargo seria um problema? OKAMOTTO: Por isso mesmo. Acho que há uma maldição dos tesoureiros. Depois do Collor e do PC Farias, ficou uma maldição. Já estou afastado disso desde 92 e não me disponho, não.