Título: O que falta às mulheres na América Latina
Autor: SAADIA ZAHIDI
Fonte: O Globo, 14/04/2006, Opiniao, p. 7

A América Latina se destaca por suas sociedades desiguais econômica e socialmente. A desigualdade de renda e as desigualdades raciais e étnicas são reconhecidas tanto na região como globalmente. Mesmo assim, existe uma forma de desigualdade na região que não recebe o reconhecimento e a atenção política que merece: aquela entre homens e mulheres, muito comum na América Latina. Desde quanto ao acesso à saúde até em relação a empregos, educação e nutrição, as desigualdades são prevalentes nas economias da região inteira. Enquanto existem muitas atividades que pretendem lidar com essa situação, o problema não é reconhecido em âmbito nacional como barreira para o crescimento e o desenvolvimento.

O estudo do World Economic Forum: ¿Capacitação da Mulher ¿ Medindo a Desigualdade de Gênero no Mundo¿, lançado em maio de 2005, comparou a desigualdade de gênero em 58 países. O estudo mediu essa diferença em cinco estágios críticos: participação econômica; oportunidade econômica; capacitação política; conquistas educacionais; saúde e bem-estar. O relatório se baseia na premissa de que a capacitação das mulheres não é apenas uma questão fundamentalmente social e de direitos humanos, mas também um assunto extremamente importante para o crescimento e o desenvolvimento de todas as economias.

O desempenho latino-americano nesse índice varia entre os países e entre categorias diferentes, desde Costa Rica, no 18º lugar, até México, no 52º. Mesmo assim, alguns padrões são claramente visíveis, identificando assim as áreas prioritárias para reformas regionais. A América Latina está entre as melhores regiões consideradas no relatório em termos de conquistas educacionais. As economias latino-americanas como as da Costa Rica e do Uruguai estão conseguindo oferecer níveis bem semelhantes de educação para homens e mulheres. Mas eles conseguem colher os frutos desse investimento? Um segmento muito pequeno de mulheres de camadas da sociedade de altíssima renda consegue algum retorno da sua educação devido à variedade de oportunidades econômicas apresentadas. Mas para a grande maioria das mulheres, um bom nível educacional não representa oportunidades para salários melhores e mobilidade social e econômica.

Na região, independente do nível educacional, o potencial econômico e social não é realizado, possibilitando condições que não oferecem estruturas apropriadas para a participação econômica, como a falta de licença-maternidade, falta de benefícios de maternidade, horários de trabalho rígidos, serviços escassos para cuidados infantis e implementação incompleta da legislação atual contra a discriminação. As mulheres sofrem ainda mais com a falta de capacidade de influenciar nessas leis e estruturas, devido ao baixo nível de capacitação política.

Essa combinação de desigualdade de renda e de gênero cria um padrão repetitivo em que as mulheres não conseguem realizar todo seu potencial econômico. Isso cria um círculo vicioso em que não são capacitadas, seu valor econômico e social continua baixo, e doença, falta de nutrição e falta de alfabetização ganham tons femininos, freando o crescimento e o desenvolvimento geral da nação.

Algumas orientações básicas para políticas nessa área começam a aparecer. A pesquisa e a prática mostraram que os países que usam todo o potencial dos seus recursos humanos ¿ homens e mulheres ¿ aumentam a sua capacidade de crescimento. Da mesma forma, as empresas reconhecem a importância da mulher em todas as suas estruturas internas, inclusive posições de liderança, aumentando assim a rentabilidade com a potencialização de todos seus recursos humanos.

Assim, existe um imperativo para instituições privadas e públicas de intervir, criando estruturas apropriadas para a capacitação de mulheres.

Em países como Costa Rica, Uruguai e Argentina, que conseguem oferecer níveis semelhantes de educação para homens e mulheres, existe espaço para o setor público melhorar o acesso às estruturas decisórias, enquanto o setor privado precisa promover essa liderança com estruturas e políticas melhores.

Em países como Brasil, México, Peru ou Venezuela, entre os piores resultados no relatório, é preciso trabalhar em todas as áreas, com a prioridade para direitos humanos básicos com acesso igual à educação e assistência médica. Essa tarefa requer políticas inovadoras que envolvem líderes governamentais, corporativos e da sociedade civil, na busca de soluções holísticas.

Se a América Latina quer ser uma potência econômica, a região precisa capacitar todos os seus cidadãos. É preciso canalizar todos os seus recursos humanos não aproveitados para o crescimento e o desenvolvimento. Em resumo, é necessário assegurar que homens e mulheres recebam oportunidades iguais para realizar seu potencial econômico.

O Chile alcançou um marco histórico com a eleição recente de Michele Bachelet, a primeira mulher eleita presidente naquele país. A composição do seu gabinete, com uma divisão igual entre gêneros, também eliminou barreiras. No Peru, um dos principais candidatos na corrida presidencial é uma mulher e, no Brasil, o Ministério da Casa Civil é chefiado por outra mulher, Dilma Roussef. Outros exemplos da emergência de mulheres entre os maiores líderes políticos podem ser constatados em El Salvador, Costa Rica e Jamaica.

A mudança é uma possibilidade, que está começando a se tornar realidade. É hora de a América Latina reconhecer os benefícios econômicos da igualdade de gêneros e agarrar as oportunidades apresentadas pelas atuais mudanças políticas.

O fortalecimento das instituições para as mulheres na América Latina deve possibilitar o desenvolvimento de um novo recurso econômico, valorizando as capacidades de inovação dessa região e incentivando uma sociedade igualitária e sustentável.

SAADIA ZAHIDI é economista.

N. da R.: Luiz Garcia volta a escrever neste espaço no próximo mês.