Título: PERDAS PELOS ESBURACADOS CAMINHOS
Autor: Gustavo Stephan
Fonte: O Globo, 16/04/2006, O PAÍS, p. 15

Perigo, desperdício e miséria cruzam as principais rodovias de escoamento de produção do país

As crateras tomam as pistas em todas as direções na rodovia BR 242 (Bahia-Brasília) e, ao desviar de um carro de passeio que fez uma ultrapassagem perigosa, na altura do km 250, o caminhoneiro baiano Edson Rosa da Cruz, de 44 anos, tomba com a carreta e a carga de 40 toneladas de milho fica jogada na beira da rodovia. ¿ Para não matar os passageiros do carro que vinha na minha direção, tive que ir para o acostamento e o caminhão virou com o desnível. O prejuízo vai ser grande ¿ desabafou Edson. O desespero do motorista da carreta contrasta com a satisfação da lavradora da cidade de Rui Barbosa, Carmélia Conceição, de 59 anos, que peneira ali mesmo as duas sacas de milho que conseguiu pegar na estrada. ¿ Vou poder viajar mais tranqüila para ver minhas filhas em Salvador ¿ comemora. Em dois meses, esse é o terceiro acidente com grãos na região ¿ todos provocados pela má conservação das estradas. Um número que ajuda a engrossar a estatística de perda de 88 mil toneladas de grãos por ano só nas estradas que cortam a Bahia. No país, o derramamento dos grãos representa um prejuízo anual de R$3 bilhões, segundo estimativa das federações de produtores agrícolas do país. Essa contradição entre quem perde e os poucos necessitados que ganham com o abandono da malha rodoviária federal está entre os vários registros que O GLOBO fez ao longo de uma viagem de caminhão de 6.400 quilômetros, de São Paulo a Fortaleza, passando por Brasília, em 23 dias. As rodovias percorridas foram a BR 116 (3.600 quilômetros, entre São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Bahia, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará), a BR 101 (1.600 quilômetros entre Bahia, Sergipe, Alagoas, Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Norte), a BR 242 (500 quilômetros na Bahia), a BR 349 (450 quilômetros, Bahia) e a BR 020 (350 quilômetros, Goiás). Passados quase três meses desde o lançamento pelo governo do programa emergencial das estradas, a viagem mostra que trechos importantes para o escoamento da produção do país não foram alcançados pelo mutirão apressado do governo. Acidentes, riscos iminentes para a vida dos motoristas, saques e a falta de sinalização fazem parte dos problemas encontrados no percurso. Na primeira etapa da viagem, entre Santo André (SP) e Camaçari (BA), um dos trechos mais críticos é entre Leopoldina e Muriaé, tomado por buracos e falta de acostamento. Segundo o Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transporte (Dnit), a operação tapa-buracos inclui 95 quilômetros em Muriaé, mas Leopoldina não está no programa. Ainda na BR 116, divisa entre a Bahia e Minas, as condições ficam piores em território baiano. O percurso até Feira de Santana é desesperador para o motorista. Em Cândido Salles uma ponte está condenada. O motorista Adilson Morais gastou seis horas para atravessar um curto trecho de 20 quilômetros naquela região. ¿ Além do desgaste com a reposição de pneus e peças, acabamos perdendo dinheiro ¿ reclama Roberto Nogueira, de 50 anos e 32 de profissão. Nas suas contas, o diesel já correspondeu a 25% do valor do frete. Hoje, está em 60%. O prejuízo no escoamento de produção aumenta quando se conclui que, para cada hora perdida na estrada, a transportadora perde também 4 dólares. Nesse trecho da viagem é possível ver centenas de pessoas carentes que dependem dos buracos da BR 116 para sobreviver. Jovens da região de Paraguaçu vendem castanha de caju por R$1 aos motoristas que praticamente param em função das crateras na pistas. ¿ Todo cuidado no sul da Bahia é pouco ¿ diz Roberto. Segundo o Dnit, há previsão orçamentária em 2006 para obras em 257 quilômetros na BR 116 (trecho baiano), incluindo a recuperação da ponte Cândido Sales. Em mais uma etapa da viagem, já na BR 101, entre Camaçari e Recife, os problemas se repetem. Numa pequena serra, ao norte de Alagoas, o desnível da pista provoca acidentes como o de uma carreta com carga de refrigerante que foi saqueada. O Dnit informa que a via, na altura do município de Flexeira, está incluído na operação tapa-buraco. O trecho entre Salvador e Recife não apresenta tantos buracos como os da BR 116 já que o fluxo de veículos pesados é bem menor, mas os perigos ainda são grandes: poucos acostamentos, sinalização e recapeamento precários.