Título: UMA FAMÍLIA NA FOLHA DE PAGAMENTO
Autor: Sergio Fadul
Fonte: O Globo, 16/04/2006, ECONOMIA, p. 29

Comandante aposentado teme pela empresa, onde trabalham filhos e noras

PORTO ALEGRE. O comandante aposentado Milton Comerlato comemorou 72 anos em seu apartamento em Porto Alegre no mesmo dia em que soube da intervenção no Aerus, fundo de pensão dos funcionários da Varig. A alegria de ver a família reunida foi encoberta pela tensão de não saber o que acontecerá com o fundo que garante sua aposentadoria. Sem ele, terá de viver com os R$1.700 que ganha da previdência oficial. ¿ Estou amargurado e triste. Nunca pensei que uma crise como esta iria ocorrer. Na minha época, era mais difícil sair do que entrar na Varig. Se alguém pedia para sair, o velho Ruben Berta chamava a pessoa e queria saber por que pretendia sair. Era difícil ¿ lembra. A crise da Varig, aliás, acertou em cheio a família do comandante Comerlato: apenas sua mulher não trabalhou na empresa. O filho Gian Carlo, de 40 anos, é comandante de vôos internacionais. As filhas Karla, de 42 anos, e Karina, de 28 anos, são comissárias de vôos nacionais. Karina é casada com Felipe Pletsch, que é co-piloto de linhas internacionais. O filho Gian Carlo também formou família dentro da Varig. Sua esposa foi comissária até o início do ano, quando optou pelo plano de demissão voluntária. O comandante perdeu ainda uma filha, Mariane, na queda de um avião da Varig na Costa do Marfim, em 1986, quando ela fazia seu primeiro vôo internacional. Na época Comerlato era Diretor de Operações da empresa e coube a ele presidir o inquérito que apurou as causas do acidente. Seu apartamento, no elegante bairro Moinhos de Vento, é repleto de recordações dos 39 anos em que trabalhou na empresa aérea como comandante e diretor. Conheceu presidentes brasileiros e estrangeiros, muito dos quais voaram nos vôos por ele pilotados. E pôde ainda acompanhar o avanço tecnológico do setor de aviação: começou voando em DC-3, passou pelo Douglas C-47, pelo C-46, Electra 2, Boeing 707, DC-10, e terminou sua carreira na empresa como comandante do Jumbo 747. Com a vida tão ligada à Varig, o comandante não se conforma com o ponto em que a empresa chegou. ¿ É necessário fazer alguma coisa. Não queremos dinheiro. Queremos apenas um encontro de contas entre o que a empresa deve ao governo e o que o governo deve à empresa. Se o governo não pagar a conta do que deve, a chance de sobrevivência é nula ¿ defende. Os laços da família são de fato fortes. Tanto que, apesar da crise cada vez mais profunda da empresa, Gian Carlo, um dos filhos do comandante, não perdeu a esperança de que surja uma solução. Ele tem duas filhas, uma de 9 anos e outra de 3 anos, e ainda sonha que elas também trabalhem na Varig. ¿ Se depender dos funcionários, a Varig vai sobreviver ¿ diz ele. Mas as notícias a cada dia são mais pessimistas, e as manifestações de funcionários, a uma quadra do apartamento do comandante Comerlato, aumentam a apreensão da família, que ele garante ser apenas uma de tantas outras que têm a vida ligada à Varig.