Título: PARA ANALISTAS, SITUAÇÃO DA VARIG É INSUSTENTÁVEL
Autor: Sergio Fadul
Fonte: O Globo, 16/04/2006, ECONOMIA, p. 29

Déficit projetado para 2006 é de US$366 milhões. Falência pode vir de juiz, credores ou firmas de `leasing¿

BRASÍLIA. A situação da Varig já é vista como insustentável. Analistas que tiveram acesso aos números da empresa afirmam que os dados mostram um paradoxo mortal: quanto mais ela sobrevive, pior fica sua situação financeira. Apenas nos dois primeiros meses deste ano as dívidas da empresa cresceram R$70 milhões. Seu fluxo de caixa entrou no negativo em março, o que significa que ela não está conseguindo sequer gerar receitas suficientes para cobrir as despesas correntes. Em março, esse buraco chegou a US$23,83 milhões. A projeção é que este mês o déficit atinja US$98,2 milhões e encerre o ano totalizando US$365,81 milhões. Esse quadro poderá precipitar o fim da empresa. A Varig hoje, além de carregar uma dívida de mais de R$8,2 bilhões, continua se endividando e vem perdendo mercado de forma acelerada. Enquanto o mercado de aviação civil cresceu cerca de 20% no ano passado e aproximadamente 15% em 2004, a Varig só fez encolher. É com base nessa realidade, avaliada como irreversível, que os técnicos do governo que acompanham de perto a crise na Varig afirmam que não há a menor possibilidade de usar dinheiro público para tentar salvá-la. Em várias ocasiões nos últimos anos, diferentes governos estenderam a mão para dar fôlego à Varig e, ainda assim, ela se apresenta inviável. No fim de fevereiro, somente com o pagamento de impostos e contribuições, a Varig acumulava uma dívida de R$3,46 bilhões. Técnicos do governo afirmam que essa dívida é dinheiro público e que insistir em pôr mais recursos dos contribuintes na empresa seria gestão temerária.

VEM avisou que vai cobrar por serviço em aviões

Analistas de mercado já vislumbram pelo menos três situações em que a Varig poderá, a qualquer momento, ficar impedida de voar. A primeira é a decretação da falência pelo juiz Roberto Ayoub, da 8ª Vara Empresarial, em que está tramitando o processo de recuperação judicial da empresa ¿ que não vem cumprindo o acordo assinado na Justiça. Pelo acerto, com base na nova Lei de Falências, a Varig praticamente congelou seus débitos antigos, ganhou carência para pagá-los e, em contrapartida, comprometeu-se a manter as contas seguintes em dia. Mas vem enfrentando dificuldades de cumprir sua parte. Caso o juiz decrete a falência, automaticamente a legislação obriga o governo a cancelar a concessão da empresa e ela não poderá mais voar. O golpe de misericórdia na Varig também poderá vir de qualquer credor que decida entrar na Justiça com um pedido de falência da companhia. A terceira situação que poderá levar ao fim da Varig é as empresas de leasing (verdadeiras donas dos aviões usados pela companhia) iniciarem um movimento em cascata de retomada das aeronaves. Um especialista em aviação afirma que esta possibilidade passou a ser bastante real após a venda da Varig Engenharia e Manutenção (VEM). Reconhecida pela excelência de seus profissionais e agora fora das mãos da Varig, a VEM já teria informado à companhia que seus aviões são bem-vindos, mas os serviços serão cobrados e terão de ser pagos. Mais uma dificuldade para uma empresa com os problemas de caixa da Varig. As empresas de leasing cogitam que a Varig opte por deixar aeronaves que apresentem problemas no solo. Isso pode levar essas empresas a pegarem o avião de volta para consertá-lo e alugá-lo a outra companhia, a fim de ganhar dinheiro com ele. A Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) está com atenção redobrada no quesito segurança: seus técnicos de manutenção estão verificando todos os aviões da Varig a cada decolagem. A qualquer sinal de problema, por menor que seja, a ordem é não permitir que a aeronave levante vôo. Outro fantasma que ronda a Varig é a estatal Infraero, que administra os aeroportos do país. Em setembro de 2005, Varig e TAM questionaram na Justiça o recolhimento de taxas e suspenderam o pagamento. A sentença, porém, foi desfavorável às empresas. A TAM quitou o débito, mas a Varig ficou com a dívida de R$224 milhões. Assim que o acórdão com a sentença for publicado, a Infraero, para não ter problemas com o Tribunal de Contas da União (TCU), poderá ser obrigada a executar a dívida.

Remuneração também pesa frente às concorrentes

As chances de uma mudança nesse quadro são consideradas remotas. Os sistemas da Varig estão ultrapassados e não são ágeis como os das concorrentes. Além disso, enquanto na Gol a proporção é de 110 funcionários por aeronave e na TAM, de 128, essa relação na Varig chega a 198. A remuneração da Varig também tem desvantagens em relação às concorrentes. A companhia, conhecida por pagar os mais altos salários do mercado, remunera seus tripulantes mesmo que eles não saiam do chão. Já a Gol trabalha com um sistema de remuneração variável, dependendo do número e das horas de vôo. Além disso, a participação da Varig no mercado está recuando. Este mês, o índice já teria caído dos 18,7% de março para 16%. No mercado internacional, a empresa passou de 79% em 2005 para 73% hoje. E há a crise de credibilidade: fontes da Varig revelam que as vendas de bilhetes com mais de 15 dias de antecedência caíram mais de 50%.