Título: À PROCURA DE UM REITOR
Autor: Helena Celestino
Fonte: O Globo, 16/04/2006, O MUNDO, p. 32

Mais prestigiada universidade dos EUA, Harvard enfrenta o desafio de fazer reformas

Avenerável Universidade de Harvard está à procura de um novo reitor. O aviso já foi lançado ao mundo, um comitê para tratar do assunto está sendo formado e dois milhões de cartas confidenciais ou e-mails com sugestões de nomes devem pipocar nos computadores e inundar as caixas de correio do campus de Cambridge nos próximos oito meses. Neste período, serão entrevistados no mais rigoroso sigilo dezenas de candidatos, mas se valer a tradição, o ¿Crimson¿ ¿ um jornal estudantil fundado em 1871 ¿ quebrará a solenidade do processo ao revelar o escolhido antes do anúncio formal pela junta da universidade e furará toda a mídia americana. A repetição do ritual secular não encobre a polêmica que sacode o mundo acadêmico desde que o atual reitor, Lawrence Summers, foi obrigado a renunciar, em março, para evitar o voto de desconfiança da influente Faculdade de Artes e Ciências. A partida do secretário do Tesouro do governo Clinton do campus, no dia 30 de junho, não vai encerrar a crise que marcou os cinco turbulentos anos da sua gestão na mais antiga universidade americana. Rechaçado pelos professores e apoiado por dois terços dos alunos, o estilo autoritário de Summers chocou-se com cultura de Harvard, vista por ele como estagnada e complacente. Mas o confronto ¿ iniciado com uma desastrada declaração pondo em dúvida a aptidão das mulheres para a ciência ¿ levantou também questões importantes sobre o futuro da universidade. Os defensores de Summers reclamam que Harvard é ingovernável por causa do espírito corporativo dos professores, mais interessados em suas próprias pesquisas do que na educação dos alunos. O corpo docente diz que o marketing está atrapalhando a educação. ¿ Harvard trocou sua missão de educar pela intenção de satisfazer o consumidor ¿ acusa Harry E. Lewis, professor de ciências da computação e ex-decano do Harvard College, que saiu do comando da graduação por divergências com Summers. Mortimer Zuckerman, editor-chefe da revista ¿US News¿, que acaba de fazer mais um ranking das universidades americanas, comenta: ¿ A ênfase na pesquisa, não no ensino, é o resultado da competição entre as universidades por estrelas do mundo acadêmico. Elas são atraídas menos pelo dinheiro do que pela liberdade de desenvolver suas pesquisas.

Orçamento anual de US$2,5 bilhões

Os moderados dizem que os dois lados têm razão e que o novo reitor precisará manter uma forte liderança intelectual para preservar o seu salário de US$563 mil por ano e tocar os grandes planos em andamento com o objetivo de modernizar Harvard. Convencido de que o motor do conhecimento nos próximos 20 anos será biologia e economia, o conselho aprovou a construção de um campus de US$5 bilhões em Boston, onde terá destaque o Centro de Ciências Naturais. Mas nem toda essa lavagem de roupa suja em público afetou a imagem de uma das mais prestigiadas universidades do mundo. No último ranking publicado, Harvard continua a ser a número um entre as escolas de medicina, educação e negócios, ficando em terceiro lugar em direito. É uma multinacional com ramificações em vários países, patrimônio de US$26 bilhões e orçamento anual de US$2,5 bilhões (R$5,5 bilhões ¿ o orçamento do Ministério da Educação brasileiro em 2005 foi de R$21 bilhões). Todo ano, são 20 mil candidaturas de alunos dispostos a pagar uma anuidade de US$37.928 para freqüentar alguns dos 720 cursos oferecidos pela universidade, ter o privilégio de conviver com a elite intelectual do mundo e aproveitar o conforto de morar no campus. Só 1.600 são aprovados e, juram os administradores, ricos e pobres têm chances iguais na seleção. No total, Harvard tem 6.500 alunos e dois mil professores. Entre os que ensinam ou ensinaram ali, 41 receberam o prêmio Nobel. ¿ Nada mais longe da verdade pensar que somos uma escola para ricos e brancos: 70% dos alunos têm ajuda financeira e 50% vêm das escolas públicas. Todos os filhos de famílias com renda anual inferior a US$60 mil (R$127.800) têm bolsa ¿ diz Joe Wrinn, diretor de Notícias e Informação Pública da universidade. A procura por Harvard não foi afetada nem pelo 11 de Setembro, que reduziu a entrada de estudantes estrangeiros em 30% nas outras universidades. Os alunos, na maioria americanos, vêm de 131 países, com o maior contingente do vizinho Canadá (481), seguido da emergente China (378). ¿ O meu interesse é a neurociência. Meu conselheiro de estudos este ano é um prêmio Nobel de 1981, o doutor David Hubel, que descobriu como o cérebro analisa as informações visuais. Posso falar com ele todas as vezes que quero, nada pode ser melhor para mim ¿ diz Chris Darren, um californiano de 18 anos. Kenneth Maxwell, um brasilianista há um ano e meio lecionando em Harvard e ex-professor em Yale, Princeton e Columbia, dá seu parecer: ¿ Estou muito bem impressionado com Harvard. É um estímulo entrar em contato com os estudantes aqui, eles são muito sérios e qualificados. A lista dos famosos que passaram por Harvard é impressionante. Inclui sete presidentes americanos ¿ entre eles John Kennedy e Franklin Roosevelt ¿ escritores como Norman Mailer e T.S. Elliot, músicos como Leonard Bernstein, atores como Jack Lemmon, empresários como os Rockefeller. Bill Gates é a exceção que confirma a regra: abandonou Harvard para fundar a Microsoft.