Título: Lições da crise
Autor: Ilimar Franco
Fonte: O Globo, 18/04/2006, O GLOBO, p. 2

A cobertura jornalística do escândalo do mensalão foi o maior strip-tease político da história do país. Nunca a população brasileira teve tanta informação sobre as mazelas de um governo, e em tempo real, como na atual crise. Mesmo assim não se formou uma unanimidade nacional que permitisse à oposição afastar o atual presidente, como ocorreu com o ex-presidente Fernando Collor.

As pesquisas de intenções de voto também indicam que, apesar da lambança, o cenário mais provável é o da reeleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O cientista político João Francisco Meira, do Instituto Vox Populi, não atribui esse fenômeno à ignorância e à falta de capacidade dos eleitores. Ele vê razões objetivas para que isso esteja ocorrendo. Em primeiro lugar houve uma mudança do padrão de escolarização da população brasileira nos últimos dez anos. Mesmo os menos instruídos estão mais instruídos e recebem mais informações do que no passado. Mas os eleitores não recebem mais informações de uma forma acrítica. Eles as filtram à luz de seus interesses e experiências. João Francisco, baseado em pesquisas, diz que dos eleitores que acompanham a crise a maioria não considera que esse governo seja mais corrupto do que outros.

Ao mesmo tempo, o país perdeu referências unificadoras, como foram no passado a Associação Brasileira de Imprensa (ABI), a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), capazes em passado recente de dar um sentido majoritário à indignação nacional. Também não existem mais grandes personalidades capazes de criar unanimidades. Nem mesmo a grande mídia, especialmente a televisão, o meio com maior capacidade de influir na vontade da população, é infalível quando se trata de fazer a cabeça dos eleitores. Foi assim nas duas oportunidades em que a população foi chamada a exercitar a democracia direta: no plebiscito sobre sistema de governo, em 1993, e no referendo do desarmamento, em 2005. Nas duas ocasiões, as teses identificadas como politicamente mais corretas e que tiveram apoio da maioria da mídia, o parlamentarismo e o sim, perderam.

João Francisco também destaca a diferença de procedimento do Congresso e do Executivo. Para os eleitores, o Congresso não pune enquanto o Executivo demite. A imagem do Executivo é a de quem vê o erro e pune, enquanto o Legislativo passa a mão na cabeça dos que cometeram erros e ilegalidades.