Título: Privilégio que atrasa a Justiça
Autor: Demétrio Weber
Fonte: O Globo, 18/04/2006, O País, p. 3

Relator do caso do mensalão no STF diz que processo deve levar pelo menos dois anos

Relator no Supremo Tribunal Federal (STF) da denúncia do procurador-geral da República, Antônio Fernando de Souza, contra 40 ex-ministros, deputados, assessores e empresários acusados de envolvimento com a ¿quadrilha do mensalão¿, o ministro Joaquim Barbosa admitiu ontem que a tramitação do processo será muito lenta. Embora evite falar em prazos, ele deixou claro que, se o STF aceitar a denúncia do procurador-geral, o julgamento pode levar anos. Só na atual fase pré-processual, seriam necessários 600 dias (mais de um ano e meio) para que todos os denunciados tenham acesso aos autos do inquérito que embasou a denúncia: um calhamaço de cinco mil páginas acrescido de 65 volumes de anexos. Ou seja, uma sentença só viria daqui a pelo menos dois anos.

Ciente de que a demora do STF para julgar o caso terá repercussão negativa na opinião pública, Barbosa se antecipou e explicou ontem quais os passos da longa tramitação de uma denúncia-crime no Supremo. Ele criticou o foro privilegiado, afirmando que a prerrogativa de ministros e parlamentares só serem julgados no STF abre caminho para a impunidade.

¿ Sou totalmente a favor do fim do foro privilegiado. É uma excrescência tipicamente brasileira. É uma racionalização da impunidade. O problema é cultural. Faz parte do jeitinho brasileiro ¿ disse, lembrando que nos Estados Unidos nem os presidentes da República têm esse privilégio.

Deputados serão notificados primeiro

Segundo Barbosa, uma denúncia pode passar por três fases ao chegar ao Supremo. A primeira é a da notificação, que está em curso e levará meses. Os ministros vão decidir se é o caso ou não de abrir o processo penal.

Junto à notificação o Supremo envia cópia dos documentos em que cada denunciado é citado nos autos do inquérito. Isso é necessário para que cada um dos 40 possa encaminhar a sua defesa. Mas todos têm direito a manusear os autos do inquérito. Numa situação normal, cada advogado teria 15 dias para isso. Daí a conclusão de que, se 40 advogados tiverem prazos sucessivos, seriam necessários 600 dias. Barbosa disse ontem, porém, que o Supremo tentará evitar isso. Por ora, a secretaria judiciária vai dispor de uma sala para que os advogados tenham acesso à documentação completa.

A novela da notificação poderá ganhar novos capítulos à medida que os denunciados apresentem documentos na tentativa de provar sua inocência. Cada documento deve ser submetido também ao procurador-geral, que tem prazo de cinco dias para se manifestar. Sem falar nos chamados incidentes processuais, recursos protelatórios cujo objetivo é trancar a ação. Exemplo disso seria um pedido de hábeas corpus por parte de um denunciado que considere indevida a sua condição de acusado. De início, será notificado quem mora em Brasília, o que inclui deputados federais.

Julgamento pode ter 361 testemunhas

Ao fim da primeira fase o ministro-relator prepara seu voto, propondo ao plenário do Supremo que acolha ou rejeite individualmente as denúncias contra cada um dos 40 acusados. Cabe aos 11 ministros bater o martelo.

Uma vez aceita a denúncia, aí sim começa o processo penal e os denunciados passam à condição de réus. Todos são novamente citados e devem ser interrogados por Barbosa. Ontem ele disse que, se isso ocorrer, a tendência é que ouça os parlamentares, deixando os demais depoimentos para juízes designados para a tarefa. Ouvidos os réus, o próximo passo é tomar o depoimento das testemunhas: 41 de acusação e, em tese, 320 de defesa, uma vez que cada réu pode chamar até oito testemunhas.

Mas a tramitação do processo pode sofrer novas e longas interrupções à medida que os réus peçam perícias contábeis ou acareações, entre outros procedimentos (as diligências). Cabe ao ministro-relator aceitar ou não os pedidos de novas diligências. Por fim, os réus têm prazo de 15 dias para apresentar suas considerações finais de defesa.

A terceira fase é o julgamento, no qual o advogado de cada réu pode falar por uma hora.

Joaquim Barbosa entende que o Supremo não tem vocação para julgar esse tipo de ação.

¿ O Supremo não tem estrutura para instruir processo. Não tem vocação para julgar este tipo de ação. O Supremo é vocacionado para julgar questões abstratas e não para analisar provas ¿ disse Barbosa.

Ele afirmou, porém, que não há como fugir do rito, sob pena de anulação do processo:

¿ Não há como fugir dessa delonga, sob pena de nulidade do processo e absolvição.

Perguntado sobre a expectativa de membros da oposição de que o Supremo julgue o caso antes das eleições, Barbosa riu:

¿ Que mudem a Constituição. Que acabem com o foro privilegiado.