Título: É PRECISO ENFRENTAR AS CORPORAÇÕES
Autor: BENITO PARET
Fonte: O Globo, 18/04/2006, Opinião, p. 7

OEstado brasileiro não tem conseguido entender as profundas transformações que vêm ocorrendo, em todo o mundo, no relacionamento do capital com o trabalho. E a classe política, quando entende, não tem demonstrado coragem para enfrentar as barreiras levantadas pelos movimentos corporativos contra mudanças no arcabouço legal que rege as relações trabalhistas no Brasil.

A globalização consolidou a produção sem fronteiras e instituiu a figura da mão-de-obra transnacional sem reserva de mercado. Trabalhadores indianos, chineses e indonésios desempregam nos Estados Unidos, na Inglaterra, no Brasil. .

O Estado e a classe política precisam entender que essas mudanças são para valer. E que a sociedade brasileira, bem ou mal, tem se adaptado ao novo paradigma, criando formas inéditas de relacionamento profissional. O aumento da terceirização, dos contratos temporários, do número de profissionais autônomos que se tornam pessoas jurídicas, do trabalho remoto e outras formas de relacionamento, são sinais evidentes da nova ordem.

A História da Humanidade registra, de tempos em tempos, saltos que levam a mudanças na forma de produção, com a conseqüente reorganização do mundo do trabalho. São mudanças que se consolidam em novos pactos, novos contratos sociais. Foi assim quando embarcações mais eficientes promoveram a transposição da sociedade agrícola para a sociedade mercantil. Quando a invenção da eletricidade e a da máquina a vapor abriram caminho para a produção em série da sociedade industrial. E está sendo assim com o advento da sociedade do conhecimento.

Se a CLT cumpriu seu papel com louvor num Brasil que se industrializava, é preciso reconhecer que a hegemonia do modelo fordista, para o qual ela foi criada, acabou. A globalização e a transposição da sociedade industrial para a sociedade do conhecimento impõe inevitavelmente novo padrão de relacionamento no mundo da produção.

A incompreensão do Fisco e da Previdência Social com as novas formas de terceirização e com os profissionais autônomos que se convertem em pessoas jurídicas para vender seus serviços é prova de que o Estado não está conseguindo acompanhar a mudança.

O universo do trabalho mudou. Se é preciso encontrar uma forma legal de proteger o enorme contingente de trabalhadores sem qualificação e sem qualquer garantia formal, faz-se necessário, também, flexibilizar as amarras jurídicas que impedem a mobilidade de profissionais.

Uma legislação trabalhista que se ajuste aos novos tempos terá que reconhecer essas diferenças. Não há mais como dar tratamento jurídico único para profissionais de formação e naturezas tão diversas.

O argumento de que só o instituto da carteira assinada garante o financiamento da Previdência Social não resolve uma situação de fato. E o fato é que o mundo mudou. É preciso entender que o financiamento da Previdência não é um problema exclusivo do trabalhador e das empresas. É um problema da sociedade. O déficit da Previdência não resulta apenas da informalidade. Resulta também do fato de que a expectativa de vida aumentou e de que somos um país cada vez mais velho, e com um enorme contingente de idosos desprotegidos que precisam de uma cobertura para sua sobrevivência.

Não será satanizando as soluções alternativas encontradas pela sociedade que se chegará a novo acordo social. O Congresso Nacional discute há anos um estatuto legal que ajuste o mundo do trabalho aos novos tempos, sem qualquer conclusão. Esse medo de enfrentar corporações que resistem às mudanças só faz aumentar o conflito jurídico, a informalidade e o relacionamento à margem da lei. Este é um bom tema para ser discutido na campanha eleitoral que se aproxima. Aguardemos a palavra dos candidatos.

BENITO PARET é presidente do Sindicato das Empresas de Informática do Rio de Janeiro .

N. da R.: Luiz Garcia volta a escrever neste espaço no próximo mês.