Título: Discutir crescimento
Autor: Míriam Leitão
Fonte: O Globo, 19/04/2006, Economia, p. 22

O presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, foi à Casa das Garças. Isso equivale quase a visitar hostes inimigas. Este centro é de estudos e análises de questões econômicas mas, como foi montado por professores e ex-professores da PUC e por economistas que estiveram no governo passado, ficou com fama de tucano. Meirelles foi lá ouvir um prêmio Nobel; Michael Spencer. Ele está coordenando um trabalho do Banco Mundial sobre crescimento econômico.

Meirelles era deputado eleito pelo PSDB quando foi colhido, numa viagem a Nova York, pelo convite do presidente Lula para ser presidente do Banco Central do governo do PT. Nos últimos anos, enfrentou uma saraivada de críticas aos juros altos e ondas de acusações. Agora está mais forte do que quando Antonio Palocci era ministro da Fazenda.

Ele tem bons dados para mostrar. A economia pode chegar ao fim do ano com uma inflação do mesmo tamanho do crescimento econômico. Há economistas prevendo uma alta do PIB de 4%, ainda que a maioria das apostas esteja em torno de 3,5%. A previsão da inflação, pelo IPCA, encolhe a cada semana segundo a pesquisa feita pelo BC junto ao mercado. Não é impossível que a taxa feche até meio ponto abaixo do centro da meta, em 4%.

Os indicadores estão bem, mas, na estrutura, a economia vai mal. Mesmo se o Brasil alcançar um número de crescimento bom, não está ainda em crescimento sustentado. É um episódio, não é uma tendência.

Mas é um bom episódio. O IPCA tende a ficar mais baixo pelas boas e más notícias. O álcool, que pressionou os preços no começo do ano, começará agora a cair. A previsão do IPCA está em 4,43% para 2006 e em 4,14% no período de 12 meses à frente. Até as más notícias ajudaram a formar o cenário de uma inflação abaixo da meta: a gripe aviária derrubou os preços de frango e de milho; a febre aftosa, o preço da carne.

Os juros caem hoje para 15,75%, segundo o consenso do mercado. No dia 31 de maio, deve haver nova redução, para 15%. Se acontecer isso, já será a mais baixa taxa de juros nominal da História. É um espanto, mas essa taxa, altíssima, que seria um arrocho monetário inaceitável em qualquer país do mundo, aqui é a menor da História. A outra vez que o juro nominal ficou baixo foi em 15,25%, por um breve período no começo de 2001.

A taxa de juros vai continuar caindo nas duas outras reuniões depois de maio e antes das eleições, mas o ritmo de queda deve ser reduzido de 0,75 ponto percentual para 0,5 ponto. Em agosto, os juros podem estar em 14%. Essa será a última reunião antes das eleições. Depois do primeiro turno, haverá nova reunião do Copom em outubro e depois outra em novembro. Se nestas duas últimas reuniões os juros caírem meio ponto percentual em cada uma, chega-se ao fim do ano com 13% de juro nominal, juro real em um dígito. Se acontecer, a atual equipe do Banco Central terminará seu período entregando para o sucessor o país crescendo, com inflação baixa e juros baixos para os padrões brasileiros.

Mas há várias sombras no horizonte. A pior delas é a deterioração fiscal. Meirelles, ao falar rapidamente no encontro na Casa das Garças, contou que está preocupado com as perspectivas de longo prazo da questão fiscal. Disse que esse é o grande desafio do Estado brasileiro. Ele chegou mais para o fim da reunião e falou muito pouco, deliberadamente. Quando falou da questão fiscal não estava se referindo a esta administração, nem aos últimos acontecimentos que reforçam a preocupação fiscal. Falava da falta de reformas estruturais necessárias para mudar o quadro fiscal do Brasil.

O cenário externo se deteriorou nas últimas semanas. O petróleo a US$70 o barril põe em dúvida o crescimento mundial de 4,9%, projetado pelo FMI. No ano passado, a alta do petróleo não afetou o crescimento mundial, mas normalmente afeta. Desta vez, a economia conseguiu suportar a alta do petróleo pelo crescimento chinês, mas agora a situação é mais preocupante. Primeiro, porque a nova alta do petróleo ocorre no meio de um processo de elevação de juros nos Estados Unidos, na Europa e no Japão, o chamado G-3. Segundo, porque a produção de petróleo caiu. A conta do Departamento Econômico do Bradesco é de que, desde agosto do ano passado, 144 milhões de barris deixaram de ser produzidos pelos Estados Unidos por causa da onda de furacões na costa do Golfo do México. Terceiro, porque o Irã tem 11% das reservas conhecidas e 5% da produção mundial. Fará muita falta a esse mercado, se entrar em guerra com os Estados Unidos por causa do seu programa nuclear. A média das previsões do mercado brasileiro era de que o petróleo ficaria em torno de US$60; isso até o mês passado. Em abril, a previsão pulou para o patamar de US$70.

O fato é: o melhor momento do mundo passou e o Brasil não o aproveitou inteiramente. O crescimento mundial dos últimos quatro anos foi surpreendente, mas, para nós, o mais decisivo é discutir como fazer e o que fazer para que o país cresça de forma sustentada e em taxas mais altas por mais tempo. Este é o tema do estudo encomendado pelo Banco Mundial a Spencer. O economista americano avisou na reunião que quer fazer algo realmente inovador, que não seja mais um estudo sobre desafios do crescimento. É exatamente disso que o Brasil precisa.