Título: Eles querem o caixa dois
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 20/04/2006, O Globo, p. 2

O texto final das novas regras eleitorais aprovadas anteontem à noite pelo Senado deixa claro que, ao aprová-lo, os partidos tudo fizeram para preservar o instrumento do caixa dois. As mudanças não vão produzir campanhas mais limpas, apenas programas eleitorais mais enfadonhos e despolitizados.

Quando o Senado retira do texto que recebeu da Câmara a punição criminal dos tesoureiros de campanha, que deveriam ser oficialmente indicados pelos candidatos à Justiça Eleitoral, está protegendo o caixa dois. Da mesma forma são poupados os doadores de ¿recursos não contabilizados¿, embora seja tão sabido o que acontece nas campanhas. O candidato, no aperto, procura um empresário que lhe promete ajuda mas com uma condição: que não seja declarada. Uns fazem o pedido para evitar constrangimentos futuros. Se o vencedor for outro, ficará marcado, pode ter seus negócios prejudicados. Outros porque estão dando dinheiro do caixa dois da empresa, objeto de sonegação fiscal.

Protegendo os ¿delúbios¿ e os que doam por debaixo do pano, e apontando o candidato como único responsável pelas contas de campanha, o projeto resguardou a sobrevivência da caixa dois. Candidatos, se eleitos, dificilmente são alcançados por irregularidades em suas contas. Se derrotados, aí é que suas contas caem mesmo na vala do esquecimento.

E como se não bastassem estas evidências de que os partidos se preparam para seguir as práticas de sempre, trataram ainda os senadores de atenuar a punição aos partidos que tenham praticado caixa dois. Em vez de três anos sem receber ajuda do Fundo Partidário, apenas um.

Se nada fez para coibir os ilícitos financeiros ¿ embora a solução dependa mesmo é de uma nova lei de financiamento eleitoral ¿ o substitutivo do senador José Jorge (PFL-PE) contribui fortemente para tornar as campanhas insossas e despolitizadas, num pleito que já será marcado pelo desencanto ou pelo conformismo. A proibição de cenas externas deve tornar os programas quase tão enfadonhos quanto os exigidos pela Lei Falcão da ditadura. Mas houve convergência, pelo menos entre PT e PSDB, partidos que vão disputar para valer a Presidência. Os tucanos apoiaram o destaque do senador petista Aloizio Mercadante que proíbe as cenas externas. Para o PT, isso pode representar a ausência de cenas constrangedoras das CPIs nos programas adversários. A desculpa dos tucanos foi a de que os programas de estúdio saem mais baratos.

¿ Isso é uma rematada bobagem. Uma imagem externa pode ser mais eficiente e custar bem menos que uma mensagem gravada em estúdio ¿ diz o líder pefelista Rodrigo Maia.

Mas agora Inês é morta, o projeto vai à sanção com as mudanças feitas pelo Senado. E se o TSE concordar, regerá o pleito.

A proibição de pesquisas 15 dias antes da eleição deve cair. Colide com a garantia constitucional do direito à informação. Restam os adereços. Proibição de showmícios, uso de artistas e distribuição de brindes. Vamos mal. O texto mostra que ninguém quer mexer com a farra eleitoral, que gera os embriões da corrupção e os delírios de poder.