Título: A POLÊMICA DAS EXTERNAS
Autor: Luiza Damé e Evandro Éboli
Fonte: O Globo, 20/04/2006, O País, p. 3

Imagens de denúncias e depoimentos das CPIs podem ficar fora da campanha na TV

As novas regras eleitorais aprovadas pelo Senado anteontem à noite poderão beneficiar a candidatura do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Se o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) entender que a proibição de cenas externas se aplica a imagens de arquivo, a oposição não poderá usar na propaganda eleitoral gratuita, a partir de agosto, denúncias e depoimentos feitos nas CPIs contra o governo e o PT. Há, porém, divergências sobre o alcance desse dispositivo e também sobre a aplicação da lei nas eleições deste ano. A polêmica está nas mãos do TSE.

Para o PSDB, a proibição de cenas externas não atinge os debates no Congresso.

¿ A proibição é de cenas externas do candidato. Não estão proibidas imagens que mostrem a vida como ela é. A lei não proíbe imagens dos depoimentos do Delúbio Soares, do Marcos Valério ¿ argumenta o secretário-geral do PSDB, deputado Eduardo Paes (RJ).

Mas o tucano reconheceu que, se a interpretação do TSE for a de que estão proibidas imagens de arquivo, Lula será beneficiado:

¿ Muitíssimo, mas os senadores pensaram nisso e não aprovariam uma lei para beneficiar Lula.

O líder do PSDB na Câmara, Jutahy Júnior (BA), também entende que o dispositivo não atinge cenas de arquivo e, portanto, poderão ser veiculadas imagens dos depoimentos nas CPIs, inclusive do deputado cassado Roberto Jefferson (PTB-RJ), que denunciou o esquema do mensalão e disse que informou Lula sobre o pagamento a parlamentares para que votassem a favor do governo.

O presidente do PFL, Jorge Bornhausen (SC), autor do texto original da lei, discorda, mas ressalta que as regras não deverão ser aplicadas na eleição de outubro, pois foram aprovadas a menos de um ano do pleito.

¿ Os depoimentos, se a lei valer para estas eleições, não poderiam (entrar nos programas eleitorais). Acredito que a interpretação dada pelo TSE à emenda da verticalização não permite que a lei entre em vigor este ano ¿- argumentou Bornhausen, referindo-se à decisão que manteve a regra da verticalização (obrigação de os partidos manterem nos estados as coligações nacionais).

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Marco Aurélio de Mello, que assumirá a presidência do TSE no próximo dia 4, disse que algumas das novas regras poderão entrar em vigor ainda este ano. Cauteloso, preferiu não citar quais. Prefere aguardar a análise do projeto, que ainda terá de ser sancionado pelo presidente Lula e depois regulamentado pelo TSE. Mas deu a entender que pode não valer para este ano.

¿ O Congresso transferiu para o TSE a responsabilidade. Fico lisonjeado pela confiança dos congressistas, mas não podemos dar esperança vã para a sociedade. Temos o preceito maior, que é o artigo 16 da Constituição: não se muda regra no mesmo ano da eleição ¿ disse Marco Aurélio.

Esse artigo da Constituição prevê que qualquer alteração do processo eleitoral só terá validade se aprovado um ano antes da eleição. Mas, para o futuro presidente do TSE, alguns artigos podem vigorar já este ano

¿ Não dá para adiantar nada por enquanto. Vamos aguardar a reflexão dos ministros. O crivo levará em conta esse artigo constitucional, mas o que não arranhar esse preceito, será avaliado ¿ disse.

Marco Aurélio adiantou que o relator do projeto no TSE será o ministro Carlos Eduardo Caputo Bastos, que já é o relator das instruções normativas das eleições de 2006.

Para a oposição, a proibição de cenas externas não barateia as campanhas:

¿ O que barateia a campanha é a proibição de brindes e showmícios. Isso é um avanço, mas restrição a cenas externas não necessariamente vai diminuir custos. Ao contrário, pode até aumentar. Temos exemplos de campanhas milionárias sem cenas externas, em que eram montados cenários ¿ disse Jutahy Júnior.

Já o líder do PFL na Câmara, Rodrigo Maia (BA), diferentemente do que defende o presidente do seu partido, considera a proibição de cenas externas um retrocesso e diz que o Senado errou ao aprová-la. Para ele, o dispositivo vai aumentar o custo das campanhas.

¿ Voltamos à Lei Falcão. O candidato não poderá mostrar o que fez nem criticar o que o governo está fazendo. Programa de estúdio é até mais caro ¿ disse Maia, referindo-se à propaganda de televisão na época da ditadura em que aparecia apenas a foto do candidato.

A proibição das pesquisas de intenção de votos 15 dias antes das eleições deverá suscitar muitas ações na Justiça Eleitoral e poderá chegar ao STF, segundo o corregedor-geral eleitoral, ministro Cesar Rocha. Ele disse que poderá ser alegado o direito à informação, garantido na Constituição.

¿ Com certeza é o item que mais vai provocar ações na Justiça ¿ disse Rocha, acrescentando o projeto aprovado pelo Senado poderia ser melhor, mas já foi um avanço.

O líder do PSDB segue a mesma linha de Rocha em relação às pesquisas eleitorais:

¿ Pesquisa ( a proibição) cai no Supremo. Acho que é inconstitucional. Quanto à validade da regra nessas eleições, quem questionar ganha.

O Palácio do Planalto foi consultado durante a votação da lei eleitoral, que deverá ser sancionada sem vetos. O líder do governo no Senado, Aloízio Mercadante (PT-SP), que reconstituiu o texto original de Bornhausen sobre a proibição de cenas externas, falou por telefone com o ministro das Relações Institucionais, Tarso Genro, que deu sinal verde para votação.

¿ Essas modificações que foram votadas, eu concordei plenamente com elas. Manifestei que, do ponto de vista do governo, se aquilo significava uma grande unidade do parlamento em cima da questão eleitoral, nós concordávamos ¿ disse Tarso.

Com relação a outro item, a punição do tesoureiro por irregularidades na prestação de contas (que saiu da lei), o ministro disse que isso poderia inviabilizar as campanhas eleitorais:

¿ Essa é uma questão mais complexa, de direito penal, de responsabilização individual ou da instituição. A responsabilização do tesoureiro poderia inviabilizar a existência de campanhas eleitorais regulares, pois ninguém iria assumir a condição de tesoureiro.

O deputado Jutahy também considerou correta a responsabilização apenas do candidato pela prestação de contas e ressaltou que problemas de caixa dois só serão resolvidos com a adoção do sistema de lista partidária, financiamento público de campanha e cassação de candidatura em caso de uso irregular de dinheiro.