Título: PÉSSIMO NEGÓCIO
Autor: PAULO RABELLO DE CASTRO
Fonte: O Globo, 20/04/2006, Opinião, p. 7

Alguns querem ¿deixar¿ a Varig quebrar. Outros prefeririam ajudá-la. As opiniões estão divididas. Mas nem uma coisa, nem outra.

Quando em grave crise, as empresas têm três caminhos: salvar-se, transformando-se, por seus próprios meios; safar-se, obtendo algumas benesses, geralmente do poder; ou, então, soçobrar, levando consigo créditos, empregos, impostos não-recolhidos, além de patrimônio social, desbaratado. A Varig vinha tentando a segunda via, por muito tempo. E consumindo seu capital, físico e humano. Não mais.

Recentemente, optou pelo caminho da transformação, no caso judicial, ao amparo da nova lei de recuperação das empresas (Lei nº 11.101, de 2005), uma das mais inteligentes peças da nossa legislação econômica. Em dezembro, os credores da Varig, por maioria esmagadora, aprovaram um plano, que é uma espécie de ¿pacto de viabilidade econômica¿, homologado pelo juiz. Mas só faz sentido aplicá-lo quando a transformação da empresa é possível, começando por sua cabeça, sua ¿governança¿. A Varig, de fato, é viável, havendo pactuado, inclusive, pagar 100% dos seus débitos passados, renegociados em até vinte anos.

Deixar quebrar logo agora? Mais de 50% das dívidas, no plano, são a favor dos próprios empregados da Varig: aos da ativa (credores classe I) e ao seu fundo de pensão, o Aerus (R$2,5 bilhões). Os trabalhadores da Varig financiaram a Varig. Não o governo, como se alega, incorretamente, nem a sociedade. Alguns fornecedores, sim, como os arrendadores das suas aeronaves e, em muito pequena proporção, os fornecedores estatais, a BR e a Infraero. Fora do âmbito da recuperação, há uma dívida fiscal (PAES) de R$3,5 bilhões, já financiada em 15 anos, mas compensável contra um débito da União, julgado a favor da Varig, de R$4,6 bilhões (cálculo da FGV) que o governo deveria saldar à vista.

Há outros créditos judiciais, também julgados, de ICMS pagos a maior pela Varig a vários estados, de quase R$1 bilhão. Portanto, uma vez aplicado o Plano aprovado para sua recuperação, a Varig pode e deve se salvar sem tostão de dinheiro público, para benefício de seus milhões de clientes, dos empregados e da própria sociedade, já que sua quebra produziria, esta sim, uma enorme perda fiscal ao governo, além de divisas perdidas pela bandeira brasileira no exterior. Calcula-se em R$10 bilhões o custo social desta falência trágica.

A Varig quebrada é um péssimo negócio. Para o Brasil, para a nossa auto-estima e ¿ pasmem ¿ para o mercado! No entanto, há neomercadistas espalhados no eixo Rio-São Paulo-Brasília que estão convencidos de que a Varig é perda de tempo e energia. O próprio presidente Lula, semana passada, ingressou nesse clube respeitável de opinadores avulsos, ao afirmar que o governo não vai ajudar empresa falida. Antecipou-se, assim, ao próprio juiz da falência...

Estive com o presidente em 14 de maio de 2003, uma única vez, quando ele teve a bondade de me ouvir sobre o caso Varig. Ao final, fez comentários apropriados, mormente apoiando os trabalhadores da Varig em constituir uma sociedade de investimentos para aplicar na própria empresa parte de suas poupanças previdenciárias, com isso atraindo interesse de outros empresários para compartilhar, com estes, um novo bloco de controle.

Mas a velha controladora, Fundação Ruben Berta, não gostou da idéia que o presidente dizia apoiar (¿empregados-investidores, sempre defendi esta idéia, embora sempre vencido no meu partido¿, foi o que me disse ele naquela ocasião). A máquina do governo apressou o passo na direção oposta às sinceras, mas tácitas, opiniões presidenciais. Hoje, passados três anos do fato, o governo, inopinadamente, interveio no Aerus para liquidar seus planos de pensão, multiplicar a ruína dos aposentados da Varig e tentar sepultar as chances da conversão de crédito dos trabalhadores em capital na ¿nova¿ empresa.

Parte do mercado, delirante pela tese do ¿deixa quebrar¿, parece não enxergar que a recuperação de empresas é praticada no capitalismo avançado, justamente por propiciar a diminuição do prejuízo social, não obstante a perda total ¿ se preciso for ¿ da posição dos acionistas originais.

O capitalismo, o capital e seus capitalistas devem cumprir um papel compatível com a propriedade social dos recursos postos à sua disposição.

Exigir, sim, que a empresa Varig se transforme ¿ a curto prazo ¿ e volte a ser lucrativa, cumprindo à risca o plano de recuperação, é a postura adequada às autoridades de um país que almeja crescer mais e se fazer respeitado lá fora. Repetir slogans neomercadistas, além de mau conselho estratégico, é prejuízo na certa para os contribuintes, que pagarão a conta tributária do verbo solto.

Que se cumpram as leis e as decisões judiciais.

A Varig voa, mas não é peru, para morrer de véspera.

PAULO RABELLO DE CASTRO é economista.