Título: TRABALHAR PODE SER PREJUDICIAL À SAÚDE
Autor: GILBERTO URURAHY
Fonte: O Globo, 20/04/2006, Opinião, p. 7

Acorrida pelo aumento da produtividade tem um custo elevado para os executivos e suas empresas. O estresse vence e as doenças modernas se multiplicam.

¿Trabalhar pode prejudicar gravemente sua saúde.¿ É difícil imaginar o governo ou mesmo qualquer entidade de classe liderar campanha publicitária em televisões, em outdoors ou em jornais com os dizeres acima em letras garrafais. Entretanto, as estatísticas são cruéis. As doenças modernas, aquelas que têm como pano de fundo o estresse crônico, aumentam a cada ano.

A produção exagerada dos hormônios gerados pelo estresse (adrenalina e cortisol) tem provocado baixas importantes no campo corporativo. Acidente vascular cerebral hemorrágico para Paula, 47 anos, diretora de banco; infarto do miocárdio para Ricardo, 45 anos, diretor de multinacional da área de serviços; depressão para Teresa, 42 anos, diretora de relações externas de empresa de bebida são alguns exemplos, pegos ao acaso, entre numerosas vítimas, cada vez mais jovens, do estresse crônico. Alguns incapacitam, outros... matam.

Segundo pesquisa realizada em nossa clínica, o estresse crônico representa o principal fator de risco para a saúde dos executivos: três a cada cinco homens e uma a cada três mulheres sofrem do mal.

Após realizarmos mais de 25 mil check-ups médicos em executivos de ambos os sexos, ao longo dos últimos 15 anos, encontramos o seguinte perfil de saúde:

¿ 80% se alimentam mal;

¿ 65% são sedentários (alegam a fadiga como causa);

¿ 50% usam álcool regularmente (como relaxante pelo excesso de adrenalina produzida);

¿ 45% fumam;

¿ 26% têm insônia;

¿ 25% apresentam alterações das gorduras sangüíneas ¿ como baixas do HDL (colesterol bom) e elevações do LDL (colesterol ruim) e dos triglicerídeos;

¿ 20% se automedicam (tranqüilizantes, analgésicos, antiácidos, estatinas...);

¿ 19% têm hipertensão arterial;

¿ 16% sofrem de gastrite;

¿ 12% são obesos;

¿ 12% das mulheres apresentam infecções ginecológicas, em função da baixa de imunidade;

¿ e 6% são diabéticos.

Um percentual importante da população examinada apresenta, ao mesmo tempo, várias das condições acima descritas.

Segundo alguns especialistas, o futuro será ainda mais sombrio. A continuar nesse ritmo, as condições de trabalho atuais conduzirão a uma explosão de invalidez gerada por problemas físicos e emocionais. Mas, como chegamos a este ponto? Em uma economia cada vez mais globalizada, as empresas devem permanentemente melhorar a sua produtividade para enfrentar a concorrência em relação a preços e/ou aumentar a qualidade do serviço, sob pena de perder mercado. A palavra de ordem é competitividade.

Assim, o trabalho tem-se intensificado no campo corporativo, em que se observa uma mobilização instantânea máxima das capacidades humanas.

A rotina dos executivos é uma roda-viva massacrante. Viagens freqüentes, com fusos-horários desnorteantes, resultam em noites maldormidas que agridem fortemente seus relógios biológicos.

Agendas rígidas e metas cada vez mais ambiciosas a serem atingidas. A vida pessoal foi colocada em que plano? Não há espaço para a individualidade. Toda a emoção é colocada no trabalho. Não há equilíbrio, inexistindo, portanto, bem-estar. Em boa parte dos casos, esses profissionais ¿moram¿ no trabalho e, eventualmente, dormem em suas casas. Conectados aos escritórios virtuais, possuem dois ou três aparelhos celulares e estão alcançáveis 24 horas por dia, durante sete dias da semana.

Sem tempo para uma reciclagem e muito menos disponibilidade emocional para o lazer, os executivos são reféns de um modo de vida monocórdio e pouco criativo. Por outro lado, no campo corporativo, precisam ser polivalentes e policompetentes, tendo como alvo o bônus previamente acordado.

Os dirigentes de recursos humanos mais lúcidos, preocupados com a segurança empresarial e conscientes de que o estresse excessivo acaba necessariamente pesando sobre os resultados das empresas, buscam várias maneiras para atenuar o mal. Palestras, seminários voltados para a qualidade de vida, academias de ginástica no seio da empresa...

As ações, no entanto, são sempre desenvolvidas em grupo, quando, na realidade, a abordagem do indivíduo deve ser individual. Exemplificando, o indivíduo deve conhecer quais são os fatores de risco para sua saúde, como se encontra o seu meio interno, seus metabolismos, a fim de estabelecer programas de promoção à saúde para a correção de qualquer desvio, impactando em forte segurança pessoal e empresarial.

Para enfrentar a competitividade desenfreada, nos países desenvolvidos as empresas começaram a posicionar a saúde de seus colaboradores no centro do pensamento organizacional e a escolha recaiu sobre a prevenção no mais amplo sentido. Programas de exames médicos periódicos, ações voltadas para a ergonomia no ambiente de trabalho, estímulo a programas de férias anuais...

Os resultados logo surgiram, representados pela diminuição do absenteísmo ¿ em razão de doença ou acidente do trabalho ¿, o que permitiu a manutenção da engrenagem empresarial. Também foi possível reduzir custos com head hunters e com despesas médico-hospitalares e seguradoras, além de disseminar a percepção de segurança entre seus funcionários.

GILBERTO URURAHY é médico.