Título: PF indicia Palocci como mandante e envia inquérito à Justiça
Autor: Jailton de Carvalho
Fonte: O Globo, 20/04/2006, O País, p. 10

Acusado de ordenar a violação da conta do caseiro, ex-ministro responderá por quatro crimes, cujas penas podem chegar, no total, a 15 anos de prisão

BRASÍLIA. Num relatório enviado ontem à Justiça Federal, a Polícia Federal aponta o ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci como o mandante da quebra do sigilo bancário do caseiro Francenildo dos Santos Costa. Numa peça devastadora para o ex-ministro, a polícia também indiciou Palocci em quatro crimes: quebra de sigilo funcional e bancário, prevaricação e denunciação caluniosa. Os crimes podem ser punidos com até 15 anos de prisão.

No documento a PF aponta ainda o ex-presidente da Caixa Jorge Mattoso e o jornalista Marcelo Netto, ex-assessor de imprensa de Palocci, como executores das ordens do ex-ministro.

Mattoso foi indiciado por quebra de sigilo bancário e funcional. Marcelo Neto é acusado de quebra de sigilo bancário. Para a PF, Mattoso foi o executor do crime, comandando a invasão da conta de Francenildo, e Marcelo Netto vazou o extrato bancário para a revista ¿Época¿. No texto, o delegado não cita o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos. Bastos se reuniu com Palocci uma semana depois da quebra do sigilo de Francenildo. Para a PF, não há nenhum vínculo entre o vazamento da movimentação bancária de Francenildo e o encontro de Bastos com Palocci.

O relatório enviado à juíza Maria de Fátima de Paula Pessoa, da 10ª Vara Federal, tem 61 páginas e detalha como foi a operação que resultou na quebra do sigilo. Pelo texto do delegado Rodrigo Gomes, Palocci soube por diversos meios dos rumores sobre valores extras recebidos por Francenildo no início deste ano e, no dia 16 do mês passado, decidiu declarar guerra ao caseiro. Segundo relato da polícia, Palocci determinou a Mattoso que vasculhasse a conta de Francenildo na Caixa. Mattoso cumpriu a ordem e, com a ajuda de três funcionários, extraiu um extrato e entregou o documento nas mãos de Palocci algumas horas depois de receber a determinação do ex-ministro.

No dia seguinte à emissão do extrato, 17 de março, as informações foram divulgadas no site da ¿Época¿. Para a polícia, coube ao assessor Marcelo Netto passar o extrato para a revista. As acusações contra o jornalista estão amparadas em várias informações obtidas pela polícia desde o início das investigações, no dia 21 do mês passado. Entre os dados comprometedores está a reunião de Netto com Palocci no dia 16, logo depois de o ex-ministro ter recebido de Mattoso o extrato.

Ao longo da apuração, a polícia obteve informações que, embora não incluídas no relatório parcial, indicam o caminho percorrido pelo extrato, desde a saída da conta de Francenildo até a chegada na redação da ¿Época¿.

Com base neste quadro, o delegado indiciou Palocci por quebras de sigilos bancário e funcional, por prevaricação e por denunciação caluniosa. Pelo Código Penal, prevaricação é o crime imputado ao servidor público que, em razão do cargo que ocupa, faz ou deixa de fazer algo em benefício próprio. Neste caso, Palocci teria usado o cargo de ministro da Fazenda para acionar a Caixa contra Francenildo. O ex-ministro foi acusado de denunciação por fazer denúncia, sem o devido fundamento, contra Francenildo.

Receita volta a negar participação na violação

Para completar a apuração, o delegado pediu a quebra do sigilo telefônico de Neto e mais 30 dias de prazo. Os procuradores da República Gustavo Pessanha Velloso e Lívia Tinoco, que estão acompanhando o caso, deverão concordar com a ampliação do prazo. Eles querem saber se, antes de acionar a Caixa, Palocci mobilizou outros órgãos públicos para levantar informações sobre Francenildo. Os procuradores até pediram busca em computadores da Receita Federal para se saber algum funcionário do órgão ajudou Palocci a localizar a conta de Francenildo no sistema bancário.

Ontem , a Receita voltou a negar envolvimento na operação e informou ainda que qualquer quebra de sigilo seria inócua, já que o caseiro não movimentou recursos bancários até dezembro de 2005.

¿ Tudo isso é uma especulação leviana e despropositada. Não existe informação na Receita que permita a identificação da conta bancária de quem quer que seja. E olhando os dados globais da história desse contribuinte vemos que ele não pagou CPMF até dezembro. Ele nunca pagou CPMF. Desafio qualquer banco a mostrar que houve recolhimento de CPMF no CPF dele ¿ afirmou o secretário-adjunto da Receita Federal, Ricardo Pinheiro.

O advogado Eduardo Toledo reafirmou ontem que Marcelo Netto não cometeu crime algum. Com a ressalva de que estaria falando em tese, e não sobre o caso específico do cliente, Toledo disse que o crime da quebra do sigilo bancário de Francenildo se exauriu no momento em que o extrato do caseiro foi retirado da Caixa e não quando tomou outros caminhos até chegar à ¿Época¿.

¿ Se divulgar fosse crime, o que nego que Marcelo tenha feito, todo repórter que divulgasse as informações do extrato teria cometido o mesmo crime. Até um pai, que depois de ler o jornal contasse para o filho, em tese estaria cometendo o crime também. Teríamos aí uma cadeia infinita de responsabilidade ¿ argumentou.