Título: DESCASO QUE MATA OU CEGA
Autor: Maria Elisa Alves
Fonte: O Globo, 20/04/2006, Rio, p. 15

Falta até de antibióticos põe em risco pacientes com Aids do Gaffrée e Guinle

Pelo menos cinco pacientes morreram nos últimos três meses por falta de antibióticos e outro corre o risco de ficar cego porque não consegue o remédio que pode evitar a perda da visão. Esses dramas, no qual todos os personagens são portadores do vírus HIV, desenrolam-se no Hospital (federal) Universitário Gaffrée e Guinle, ligado à UNI-Rio e considerado referência no tratamento de Aids no estado. A situação é tão crítica que a equipe do serviço de atendimento ambulatorial enviou anteontem um relatório ao chefe do setor, o médico Carlos Alberto Morais de Sá, sugerindo que não sejam aceitos novos doentes de Aids na unidade.

Motivos para evitar a entrada de novos pacientes não faltam. Segundo o relatório, assinado por 16 profissionais do ambulatório, a penúria é tão grave que, esta semana, medicamentos que compõem o esquema anti-retroviral, imprescindíveis para os doentes, têm sido divididos. De acordo com o documento, a embalagem original do LPV/r está sendo aberta e as cápsulas distribuídas em pequenas sacolas de plástico, contendo doses para 15 dias, por exemplo. Recebem medicamentos no Gaffrée 1.700 pacientes.

Outra dificuldade citada pelos profissionais é a falta de aparelhos de raios X. Como o setor está em obras desde dezembro, pacientes do ambulatório não fazem, segundo o documento, radiografias de tórax, necessárias para identificar doenças do aparelho respiratório como tuberculose, que costumam afetar com freqüência quem tem Aids. Os doentes que se tratam no hospital de referência do estado não conseguem fazer um simples exame de sangue. Por falta de material, não são realizados hemogramas, exames para identificar hepatites A e C ou sorologia para toxoplasmose, outras doenças que acometem quem tem Aids.

¿ Um dos efeitos do AZT, um dos principais remédios de pacientes com Aids, é a anemia. Mas não conseguimos fazer hemogramas há um mês. Aqui era um hospital de referência. Agora, não pode nem ser chamado de hospital. Faltam exames complementares, remédios e raios X ¿ diz o chefe de serviço da enfermaria de Aids, Carlos Alberto Morais de Sá, professor de clínica médica da UNI-Rio.

Paciente morre sem remédio de R$12

Segundo Carlos Alberto, um dos maiores problemas do hospital, além de não ter kits suficientes para identificar a presença do vírus HIV, o que está impedindo a entrada de novos pacientes, é a falta de medicamentos:

¿ Está morrendo gente por falta de remédio. Tem pacientes com infecções graves que não têm antibiótico. Pelo menos quatro ou cinco morreram. Quando a família tem mais recursos, consegue se cotizar e comprar. Os doentes pobres não têm essa chance. Um paciente, com septicemia, tinha quedas bruscas de pressão. Não havia nenhum dos estabilizadores de pressão. Ele morreu. Depois, eu soube que o remédio que ele precisava custa R$12 o frasco.

O presidente do Sindicato dos Médicos, Jorge Darze, recebeu ontem cópia do documento elaborado pelos profissionais do ambulatório do Gaffrée. Ele entrará hoje com representação no Ministério Público federal:

¿ Estive hoje (ontem) reunido com professores e alunos e a situação do hospital é de falência. Ele era um hospital de referência para Aids, e hoje não consegue nem saber se um paciente tem o HIV, por falta de kits.

Édson Liberal, do conselho diretor do Gaffrée, garante que a situação do laboratório foi regularizada há duas semanas e que a unidade já voltou a fazer hemogramas. Ele afirmou que os pacientes que precisam de radiografias são levados a outros hospitais para fazer o exame e admitiu que a obra no setor, que deveria estar pronta, atrasou. Mas afirmou que o problema será resolvido até o fim do mês. Ele negou que faltem remédios e garantiu que os kits para detectar o HIV chegaram esta semana.