Título: Ainda sem gestos importantes
Autor: Vera Gonçalves de Araújo
Fonte: O Globo, 20/04/2006, O Mundo, p. 29

ROMA. Alceste Santini foi por vários anos o vaticanista do ¿L¿Unità¿, jornal do extinto Partido Comunista Italiano. Apesar de comunista, sempre foi prezado na Santa Sé. Tanto que é um dos poucos jornalistas citados na íntegra na resenha de imprensa do site do Vaticano. Autor de vários livros sobre assuntos do Vaticano, prepara agora ¿Bento XVI e os desafios do século XXI¿.

O senhor concorda com a definição corriqueira na imprensa italiana de um papa menos político e mais teólogo, no caso de Bento XVI?

ALCESTE SANTINI: Acho essa definição uma besteira. Qual é a fronteira entre a teologia e a política? O fato importante é que este papa é completamente diferente de João Paulo II. Talvez os jornais insistam nessa tolice para marcar a diversidade entre os dois.

Quais são essas diferenças?

SANTINI: Basta fazer um balanço do primeiro ano de papado. É difícil encontrar um gesto que marque a personalidade, as opções, o programa de Bento XVI. No primeiro ano de seu papado, João Paulo II foi a Puebla, no México, para falar na Conferência dos bispos latino-americanos. Em 1979, eram muitas as ditaduras e os governos reacionários na América Latina, mas o Papa teve a coragem de dizer que o poder social se baseia na propriedade privada. Na Polônia, diante de vários dirigentes comunistas da Europa Oriental, disse que Cristo não pode ser excluído da história da Europa e do mundo. Bento XVI ainda não teve tempo de fazer gestos importantes, que marquem o seu pontificado.

Quais poderiam ser esses gestos marcantes?

SANTINI: Por exemplo, ir a Moscou para se reunir com o patriarca da Igreja Ortodoxa russa, tentando superar o cisma que separou as duas igrejas em 1054. Ou uma viagem a Pequim para negociar a situação dos católicos chineses perseguidos.

Quais foram as linhas de ação de Bento XVI até hoje?

SANTINI: Sua grande preocupação é recuperar a essencialidade da mensagem evangélica. Só relançando a identidade dos católicos, segundo ele, é possível dialogar com um mundo pluricultural e plurirreligioso. Para enfrentar a modernidade e a pós-modernidade, é preciso reencontrar a Verdade do Evangelho. Os três temas de que tratou até agora ¿ a laicidade, o relativismo, a ciência ¿ foram vistos à luz da prioridade evangélica.

E a atitude do Papa em relação à América Latina?

SANTINI: Bento XVI já não é prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, que zelava pela ortodoxia católica. Agora é o Papa, e não pode esquecer aqueles 40 votos para o cardeal Bergoglio e contra ele, no último conclave. O paradoxo é que a América Latina, e o Brasil em especial, é o centro do catolicismo mundial, mas até hoje não elegeu um papa. (V.G.A.)