Título: Bastos depõe; oposição quer mais
Autor: Adriana Vasconcelos e Ilimar Franco
Fonte: O Globo, 21/04/2006, O País, p. 3

Ministro admite ter indicado advogado para Palocci mas nega ter ajudado na defesa

Diferentemente do que o governo esperava, as oito horas de depoimento do ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, ontem, não vão tirá-lo do olho do furacão da crise deflagrada pela violação do sigilo do caseiro Francenildo Costa. Apesar da segurança e até mesmo da rispidez com que chegou a rebater acusações dos líderes do PFL, Rodrigo Maia (RJ), e do PSDB, Jutahy Júnior (BA), de que teria ajudado a montar a defesa do ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci, Bastos dificilmente escapará de nova convocação, desta vez no Senado. O ministro negou qualquer participação na violação do sigilo, admitiu ter indicado um advogado para o ex-ministro Antonio Palocci e afirmou que em nenhum momento pediu demissão e que não pretende pedir.

O ministro ainda falava na CCJ da Câmara quando, da tribuna do Senado, o líder do PSDB, Arthur Virgílio (AM), avisou:

¿ Mantenho o meu requerimento de convocação do ministro da Justiça para que ele se apresente no plenário do Senado. Não abro mão. Que ele venha aqui na condição de advogado do suspeito Márcio Thomaz Bastos e que se arme de verdades, não de espertezas.

Bastos confirmou que, a pedido de Palocci, indicou o advogado Arnaldo Malheiros para um aconselhamento jurídico ao ex-ministro antes da confirmação de seu envolvimento direto na quebra do sigilo. O pedido foi feito logo após Palocci perguntar a Bastos se achava necessário que ele buscasse essa ajuda para enfrentar a crise.

¿ Fiz o que qualquer um faria, pegar alguém cuja culpa não estava comprovada e dizer que achava que precisava de um aconselhamento jurídico. O que se criou foi uma mitologia em torno desse episódio. Apenas indiquei, a seu pedido, um advogado para o ministro Palocci. Não podia me recusar a isso. Mais do que um direito meu, esse era um dever meu diante de um ministro tão importante como ele ¿ justificou-se Bastos, dizendo ser amigo de Palocci.

¿PF desvendou cadeia criminosa¿, afirma

O ministro contou que em 23 de março, quatro dias depois de ter solicitado à Polícia Federal abertura de inquérito para apurar a violação do sigilo do caseiro, ele foi à casa de Palocci para apresentar Malheiros ao então ministro da Fazenda, a pedido, neste caso, do advogado. Disse que o ex-presidente da Caixa Econômica estava presente, fez uma exposição superficial do caso e saiu logo em seguida com o advogado para uma reunião com técnicos do banco. À noite, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, preocupado com a situação, chamou Bastos no Planalto.

¿ O presidente Lula me chamou e disse que era uma questão de honra para ele apurar a violação do sigilo do caseiro. O que fizeram (a PF) por determinação expressa do presidente e minha foi investigar, desvendar essa cadeia que hoje se aponta criminosa. A PF decifrou a cadeia causal no prazo de uma semana ¿ disse.

Bastos negou não só sua participação da na defesa de Palocci como também rebateu as acusações da oposição de que ele é que teria arquitetado a tese do caixa dois para amenizar as denúncias do ex-deputado Roberto Jefferson sobre a existência do mensalão:

¿ Quem está aqui é um ministro da Justiça que não maculou seu mandato, as suas obrigações, que não se deixou perder ou desviar nos caminhos da ilegalidade. Tenho certeza da impossibilidade que tinha de transgredir a lei para acobertar alguém, para proteger alguém. Não passam de presunções a tese de que sou o orientador geral da República, de que sou o grande Rasputin deste governo.

O ministro também defendeu seus dois assessores envolvidos no escândalo: o secretário de Direito Econômico, Daniel Goldberg, e seu chefe de gabinete, Cláudio Alencar. Nos dias 15 e 16 de março, Goldberg esteve três vezes na casa de Palocci, que o consultou sobre a possibilidade de a PF abrir um inquérito para investigar o caseiro.

¿ No dia 15 à noite viajei para Rondônia, de onde só voltei no dia seguinte à noite. De lá, tive alguns relatos apenas parciais do que estava acontecendo ¿ disse.

Ao tomar conhecimento de todos os fatos, que considerou graves, Bastos disse que telefonou imediatamente para o diretor-geral da PF, Paulo Lacerda, e solicitou a abertura de inquérito para apurar a violação do sigilo.

¿ Meus dois assessores foram à casa do ministro Palocci, não foram chamados para uma reunião criminosa. Eles não tinham idéia da história do caseiro ¿ disse.

No dia seguinte à abertura do inquérito, Bastos disse que solicitou ao Ministério Público o acompanhamento da investigação, à qual foi anexada uma comunicação do Coaf de suspeita de lavagem de dinheiro contra o caseiro.

¿ Mas nosso foco principal era a violação do sigilo ¿ disse.

Na manhã daquela terça-feira, o ministro contou que fez um relato da situação durante uma reunião de coordenação política. À noite foi chamado por Lula no Planalto.

¿ Relatei minuciosamente ao presidente da República tudo que ia acontecendo, e as providências foram tomadas no tempo certo. O que não fiz foi disseminar boatos, nem espalhar rumores. O que fiz foi agir com a tranqüilidade e com o comedimento que se exige de um ministro da Justiça ¿ acrescentou.

Mesmo tendo repetido várias vezes ser amigo de Palocci, Bastos negou que o ex-ministro tenha confessado em qualquer momento sua participação na violação do sigilo do caseiro. Ele também desmentiu que tenha participado de qualquer reunião para discutir a possibilidade de se pagar R$1 milhão para que um funcionário da Caixa assumisse a responsabilidade pelo crime:

¿ Sou amigo de Palocci e continuo sendo. Assim como de Mattoso. Mas uso uma muralha chinesa para separar minhas amizades de minhas atribuições institucionais como ministro. Ninguém me faz confidências.

Durante todo o depoimento os deputados da oposição sustentaram a tese de que Bastos trabalhou para acobertar o ato criminoso de Palocci. O ministro voltou a explicar:

¿ Na noite de 23, quando levei Malheiros, que não assumiu a causa, à casa de Palocci, a polícia ainda estava investigando, as investigações tinham três dias, não havia certeza das responsabilidades e nem tinha ficado estabelecida uma fluência causal. Além disso, as conclusões da PF são provisórias. Só serão definitivas depois de julgadas pelo Judiciário.

A REPERCUSSÃO DO DEPOIMENTO na página 4