Título: Falso vilão
Autor:
Fonte: O Globo, 22/04/2006, Opinião, p. 6

OPlano Real, diz-se, trocou inflação por dívida interna. Como parte dessa dívida é conseqüência dos altos juros que vêm sendo praticados há anos, foi inevitavelmente estabelecida uma relação entre a política monetária de combate à inflação ¿ de grande eficácia, como se sabe ¿ e o endividamento público interno, na faixa de 50% do PIB.

Um índice que não é elevado pelos padrões internacionais. Mas quando os vencimentos da dívida são em prazos curtos, como no Brasil, o dado é preocupante. Felizmente, os superávits primários ajudam a reduzir esse percentual e os juros estão em queda. A dimensão do problema gerou um efeito perverso no debate: como a conta dos juros está na faixa dos 7% a 8% do PIB ¿ é o maior item isolado da contabilidade pública, mas deve ser superado pelos gastos do INSS ¿ ela é vista, de forma enviesada, como o grande obstáculo para o crescimento sustentado. E não é.

Por uma infeliz coincidência, o Plano Real, lançado em 1994, conviveu com um longo ciclo de crises internacionais ¿ México, Ásia, Rússia ¿ que forçaram a fixação dos juros nas nuvens. Inicialmente, como forma de atrair imprescindíveis divisas que se tornaram arredias a países emergentes como o Brasil; e depois da inexorável maxidesvalorização de 1999, para evitar o impacto inflacionário decorrente da valorização do dólar. Essa contingência histórica serve para camuflar os verdadeiros vilões da economia brasileira, todos eles abrigados nas contas públicas, criados por desequilíbrios graves que precisam ser sanados com urgência.

A origem do mal está na Constituição de 1988, responsável por estabelecer uma relação entre receitas e despesas estruturalmente inviável ¿ a não ser que a sociedade admita a volta da inflação para fechar ficticiamente a conta. Daí a necessidade crucial de uma reforma séria na Previdência que corte a tendência de o déficit crescer indefinidamente. E de uma reavaliação crítica dos gastos ditos sociais, além de medidas que impeçam a expansão constante de outros gastos em custeio. Assim, os juros cairão mais rapidamente e desaparecerá o problema da dívida.