Título: Auto-suficiência no palanque
Autor: Ramona Ordoñez
Fonte: O Globo, 22/04/2006, Economia, p. 17

Comemoração pela entrada em funcionamento da P-50 ganhou contornos eleitorais

Afesta de comemoração pela auto-suficiência na produção de petróleo, comandada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ganhou contornos de campanha eleitoral. E marcou a volta da atuação de Duda Mendonça, publicitário que conduziu a campanha de Lula na eleição de 2002 e foi um dos responsáveis pela gigantesca operação de marketing promovida pela Petrobras para festejar a entrada em operação da plataforma P-50, que deixará o país entre os maiores produtores de petróleo do mundo.

A festa começou na Bacia de Campos, onde Lula acionou o botão para ligar a P-50. Mais tarde, a comemoração continuou no Museu Histórico Nacional, onde o presidente discursou para uma platéia de convidados, que incluía ministros, políticos, empresário e funcionários da Petrobras.

Sob os gritos de ¿Lula outra vez¿, bradados por executivos da empresa, o presidente fez um discurso para enfatizar feitos de seu governo, como a criação de empregos e o pagamento da dívida com o Fundo Monetário Internacional (FMI). Ele reconheceu que a auto-suficiência foi atingida graças ao esforço de todos os governos anteriores, mas fez questão de dizer que sua gestão trabalhou mais:

¿ Não estamos diante de uma miragem de auto-suficiência. Esta obra de décadas foi construída e impulsionada por sucessivos governos. Mas não posso deixar de dizer que no nosso governo houve um empenho extraordinário para se atingir a auto-suficiência em petróleo e não medimos esforços.

Oposição critica discurso

O presidente ressaltou que o país vive o melhor ambiente econômico dos últimos 25 anos:

¿ Pela primeira vez a inflação está em declínio e os salários, em alta. As exportações batem recordes há 36 meses consecutivos e em fevereiro foram criados 176 mil empregos de carteira assinada, o melhor fevereiro desde 1992.

O presidente lembrou ainda que a expansão do crédito já equivale a 32% do Produto Interno Bruto (PIB), contra 23% quando tomou posse. Com a melhoria dos salários Lula disse que haverá um acréscimo de R$20 bilhões na demanda interna.

¿ Em vez de continuarmos com as dívidas que asfixiava e engessava o nosso futuro, liquidamos as obrigações que outros fizeram com o FMI ¿ disse Lula.

Por diversas vezes seu discurso foi interrompido por aplausos e mais palavras de ordem, como ¿um, dois três, Lula outra vez¿.

A campanha de propaganda da auto-suficiência, que custou R$36 milhões, foi desenvolvida por três agências: além de F/Nazca e Quê, a Duda Propaganda, do publicitário Duda Mendonça, que foi apontado pelo procurador-geral da República, Antônio Fernando de Souza, como um dos 40 envolvidos no escândalo do mensalão. A Petrobras poderia ter encerrado o contrato com a Duda Propaganda, mas optou por prorrogá-lo no fim do ano passado.

A campanha incluiu anúncios na TV e distribuição de fotos, como a de Getúlio Vargas e a de uma reunião de executivos que presidiram a estatal.

O tom eleitoral começou na escolha do dia do acionamento da nova plataforma: 21 de abril, dia de Tiradentes. O mártir brasileiro foi mencionado por Lula em seu discurso como alguém que foi morto por lutar por um país livre. O presidente lembrou ainda de Getúlio Vargas, que, disse Lula, foi duramente criticado por pessimistas ao criar a Petrobras em 1953.

O discurso de Lula irritou políticos da oposição que participaram da quinta edição do Fórum Empresarial, em Comandatuba (BA). Coordenador nacional da campanha de Geraldo Alckmin à Presidência da República, o senador Sérgio Guerra (PSDB-PE) disse que Lula não tem o direito de se apropriar da conquista como matéria eleitoral.

¿ A auto-suficiência se construiu ao longo de décadas e, de alguma forma, ela se deu agora porque as expectativas de demanda não se confirmaram. O presidente Lula faz muito bem em comemorar a auto-suficiência, mas não em se apropriar disso como matéria eleitoral.

Mais contundente, o deputado federal Rodrigo Maia (PFL-RJ) afirmou que o presidente vive no mundo da lua e mente. Para ele, Lula, em seu discurso, cometeu abusos que deveriam ser punidos pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE):

¿ A reeleição permite esses abusos, que não são corretos e deveriam ser desde já proibidos pelo TSE. Ontem (quinta-feira), Lula disse que gostaria de estar no lugar do astronauta (o brasileiro Marcos Pontes). O presidente, de fato, não foi à lua, mas vive no mundo da lua, com essas informações que não são verdadeiras.

Comentário semelhante fez o secretário-geral do PSDB, deputado Eduardo Paes (RJ), em Brasília. Para ele, o discurso de Lula está cada vez mais distante da realidade da população brasileira:

-¿ Ele nunca saiu da campanha. Desde o primeiro dia de mandato está buscando a reeleição e, o que é pior, usando a máquina do Estado. Mas a mentira não dura muito tempo.

Política de preços será mantida

Além de Lula, o presidente da Petrobras, José Sérgio Gabrielli, também deu contornos políticos ao seu discurso no Rio. Gabrielli ressaltou que o resultado positivo da Petrobras tem sido conquistado com a orientação do governo do presidente Lula e fez uma forte crítica ao programa de privatizações do governo Fernando Henrique:

¿ Todo o sucesso foi obtido também com o trabalho, o talento e a luta do povo brasileiro, que nunca aceitou que se colocasse o nome da Petrobras no balcão das privatizações que tirou das mãos da União grandes empresas de importância estratégica para o nosso país.

A auto-suficiência concretiza um sonho acalentado por todos os brasileiros há 53 anos, quando a Petrobras foi criada. Conforme destacam especialistas do setor, não é mérito de um único governo, mas sim de todos os anos de desenvolvimento da produção. O volume produzido no país começou a crescer de forma significativa a partir de meados da década de 80, quando foi iniciada a extração na Bacia de Campos, hoje responsável por 83% da produção total do país com mais de 80% das reservas de petróleo e gás.

Embora tão esperada, a auto-suficiência não mudará a política de reajuste dos combustíveis: os preços internos continuarão acompanhando as variações internacionais. Isso é fundamental, segundo Gabrielli, para garantir a receita e a companhia continuar investindo.

ESTRATÉGIA DA PETROBRAS INCLUIU FOTOS DE GETÚLIO E ADESIVO EM CARRO DE F-1, na página 18