Título: QUATRO MESES DEPOIS, DIRCEU ARTICULA COM AVAL DO PT
Autor: Gerson Camarotti
Fonte: O Globo, 23/04/2006, O País, p. 5

Lula admite, nos bastidores, que vai precisar da atuação do deputado cassado mas preocupa-se com repercussão

BRASÍLIA. Quatro meses depois da cassação e da perda dos direitos políticos por ter sido um dos chefes do mensalão, segundo a CPI e o Ministério Público, o ex-ministro e ex-deputado José Dirceu já voltou a atuar nos bastidores com o aval do PT. A presença ostensiva do ex-deputado no cenário político preocupa o presidente Lula, que admite nos bastidores, porém, que vai precisar da ajuda dele neste ano eleitoral. Lula e o PT sabem que o poder e a desenvoltura que Dirceu acumulou nas bases do partido, como presidente do PT entre 1995 e 2002, não podem ser menosprezados. Mas sua atuação terá de ser discreta e reservada.

Como aconteceu recentemente, no auge da crise envolvendo o ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci por causa da violação do sigilo do caseiro Francenildo Costa. Dirceu teve uma conversa com Lula na Granja do Torto. O presidente quis saber a opinião dele sobre a indicação de seu desafeto Tarso Genro para o Ministério das Relações Institucionais.

O Planalto e estrategistas políticos da campanha da reeleição avaliam que a imagem de Dirceu ainda está muito contaminada e que ações mais explícitas da sua parte podem prejudicar Lula. A viagem de jatinho para encontrar o ex-presidente Itamar Franco em Juiz de Fora (MG) deixou muitos assustados no Planalto, até pela ousadia. Lula teria considerado o episódio desastroso e tem dito que Dirceu não teve o seu aval para negociar uma candidatura de Itamar à Presidência.

Essa versão é ouvida no Congresso e confirmada por Tarso Genro. O ministro praticamente rompeu com Dirceu ano passado quando, na presidência do PT no auge da crise do mensalão, vetou sua presença na chapa da nova direção partidária.

¿ O Zé Dirceu não tem mandato do presidente e do governo para fazer articulação política. Ele não representa o presidente Lula ¿ afirma Tarso Genro, ressaltando, no entanto, a legitimidade da ação política do ex-ministro. ¿ Os contatos feitos por ele não causam constrangimentos porque ele é um quadro político e o governo não tem que interferir. Em relação à política de alianças, não cabe ao governo, mas sim ao partido.

Tarso, que perdeu a queda de braço com Dirceu ¿ teve que renunciar à presidência do partido porque Dirceu não retirou sua candidatura, o que foi feito apenas posteriormente ¿ admite divergências com ele mas reconhece sua força no PT:

¿ Dirceu mantém relação política no partido da mesma forma que antes e conta com aliados. Eu e ele temos divergências sérias. Mas há algo em comum entre nós: a reeleição de Lula ¿ disse Tarso, que almoçou com Dirceu em Brasília depois de assumir o ministério, em abril.

Aliados de Dirceu atribuem sua ação à ausência de um grande articulador político no governo e no PT e, também, ao fato de ele ter preservado interlocução política mesmo depois de cassado. Além de Itamar e peemedebistas de menor peso, mantém contato permanente com o ex-governador Orestes Quércia (SP), com o senador José Sarney (PMDB-AP) e até com o senador Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA), com quem almoçou recentemente no Rio de Janeiro.

¿ Mesmo se Lula não delegar, Dirceu fará a articulação política do mesmo jeito porque percebeu que há um vazio e que Lula ficou sem um interlocutor político de peso ¿ diz o deputado Walter Pinheiro (BA), ex-líder do PT na Câmara.

A líder do PT no Senado, Ideli Salvatti (SC), confirma que Dirceu começou a ter um novo papel no PT:

¿ O Zé é uma pessoa que tem forte relação no partido e grande capacidade de análise. Ele tem um papel a cumprir este ano, mas o seu retorno na política é menos visível. Ele tem feito uma ação intensa de bastidores sempre que solicitado.

No governo, além do ministro do Trabalho, Luiz Marinho, ele tem uma rede poderosa de aliados em todos os escalões. No PT, mantém influência na executiva nacional. O tesoureiro Paulo Ferreira e o coordenador do Grupo de Trabalho Eleitoral (GTE), Gleber Naime, são dois de seus escudeiros. Dirceu tem ampliado contatos fora do Brasil: esteve na Venezuela a convite de Hugo Chávez semana passada.

De olho na reeleição de Lula, ele faz política nos estados. Em Santa Catarina esteve duas vezes recentemente: em março, foi a principal estrela da plenária da deputada Luci Choinacki (PT-SC) em Chapecó, onde foi aplaudido por 500 petistas; em abril, voltou ao estado para uma reunião da Federação dos Trabalhadores em Comércio. No encontro, mandou um recado:

¿ No que for convidado, ajudarei com empenho.