Título: ESTRANGEIROS ISOLADOS EM PRISÕES BRASILEIRAS
Autor: Chico Otavio
Fonte: O Globo, 23/04/2006, O País, p. 16

Estudo de procurador revela que presidiários de fora do país ficam mais tempo nas celas e sofrem discriminação

A falta de contato com parentes e diplomatas, a barreira da língua e o desconhecimento das leis brasileiras impõem aos estrangeiros que cumprem pena no Brasil uma ¿prisão dentro da prisão¿. O isolamento sofrido por esse grupo de presidiários, que somava em 2004 1.626 pessoas (menos de 1% da população carcerária), foi tema da tese de doutorado ¿Presos estrangeiros no Brasil: aspectos jurídicos e criminológicos¿, defendida recentemente na USP pelo procurador regional da República Artur Gueiros. Depois de levantar números, entrevistar parte desses presos e examinar a sua situação legal, ele constatou que eles sofrem problemas dentro e fora dos cárceres, principalmente discriminação por estarem em situação irregular no país.

O estudo mostrou que, como a maioria é detida com menos de um mês de permanência no Brasil, não há tempo para estabelecer raízes. Condenados a penas médias de quatro anos, geralmente por associação ao tráfico de drogas, os estrangeiros não recebem o mesmo tratamento dispensado aos brasileiros. O estudo mostrou que eles permanecem mais tempo nas celas porque são negados os direitos a livramento condicional (cumprir o resto da pena em liberdade) e progressão de regime. Alguns ficam presos até quatro meses além da pena porque a Polícia Federal demora a providenciar a sua expulsão. Em certos casos, a Justiça chega a conceder o livramento, mas automaticamente o transforma em prisão administrativa para aguardar a expulsão do país.

O trabalho tem dois focos: o levantamento de dados sobre a quantidade de presos estrangeiros e o perfil jurídico e social do grupo. Em comparação com os brasileiros, Gueiros concluiu que os estrangeiros são mais instruídos e mais velhos e que no grupo há, proporcionalmente, mais mulheres do que o conjunto da população carcerária brasileira.

Maioria cumpre pena por tráfico de drogas

Os dados, colhidos no Ministério da Justiça e nos governos estaduais, revelaram que mais da metade deles cumpre pena em São Paulo (837 presos, em 2004), seguido do Rio de Janeiro, com 169. A maior parte do grupo é da América do Sul. A Bolívia, com 16,9% do total, é a primeira, seguida de Paraguai (12,3%), Peru (7,8%), Colômbia (5,3%), Nigéria (5,1%) e África do Sul (4,2%). As prisões brasileiras têm estrangeiros de quase 90 países, como Burundi, Aruba, Suazilândia, Ucrânia e Sérvia.

A maior parte do contingente carcerário estrangeiro do Rio vem da Europa, com 39% do total, sendo 8% de espanhóis. Em segundo está a África (31%), depois a América do Sul (22%).

Ao constatar que, na média, o preso estrangeiro é mais velho que o brasileiro, Gueiros levantou a hipótese de que muitos ingressam no crime tardiamente, após fracassar em empreendimentos lícitos, arriscando a liberdade para carregar drogas ou negociá-las no Brasil. Segundo a tese, 72,3% dos estrangeiros cumprem pena por tráfico de drogas. Em seguida, aparecem os crimes contra o patrimônio (furto e roubo). No Rio, 92% do total de estrangeiros são de envolvidos com tráfico.

Entre os estrangeiros, 32% têm o ensino médio completo. Dos brasileiros, 60% têm ensino fundamental incompleto.