Título: Procon: agência de aviação se omite sobre os riscos do usuário do Smiles
Autor: Geralda Doca
Fonte: O Globo, 23/04/2006, Economia, p. 32

Para diretores da Anac, cabe aos Procons e à Justiça tratarem do assunto

BRASÍLIA. Os órgãos de defesa do consumidor acusam a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) de ter se omitido na crise da Varig e em relação às conseqüências para os milhões de usuários que têm direito a milhas pelo Smiles, caso a empresa pare de voar. A diretora de Programas Especiais da Fundação Procon, Marli Aparecida de Souza, afirma que a agência está assistindo, sem nada fazer, a uma corrida aos balcões da empresa para trocar as milhas por bilhetes, o que acaba prejudicando inclusive a companhia.

Segundo ela, uma manifestação do órgão regulador seria importante neste momento, não só para os usuários, mas também para os próprios Procons, que ¿estão perdidos¿, sem saber como orientar os consumidores.

¿ Diante da crise, está faltando uma orientação da Anac. Se a Varig parar, cerca de cinco milhões de consumidores poderão ser prejudicados ¿ afirmou Marli, acrescentando que representantes do Procon tentam há dias se reunir com diretores da agência, sem êxito.

¿ A Anac está sendo omissa ¿ disse o advogado Marcos Diegues, do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec).

Para Marli, o medo de perder as milhas está levando consumidores a trocarem os pontos e fazerem viagens não programadas, que podem resultar em problemas financeiros mais tarde. Ela diz que a Anac, órgão regulador que tem entre suas prioridades proteger interesses dos usuários, precisa informar que tentará um acordo com as concorrentes da Varig para que, se necessário, elas honrem, pelo menos em parte, as milhas.

A analista de sistemas Daniela Alves Domingues está entre os clientes do Smiles que já têm milhas suficientes para trocar por passagens. Preocupada com as notícias sobre a Varig, ela se antecipou e transformou parte delas em uma viagem no próximo mês:

¿ Tive problemas para obter o bilhete. Não sei o que vai acontecer com o restante das minhas milhas. Devo perdê-las. A situação da Varig está muito complicada ¿ avalia.

De acordo com o Procon-SP, as milhas são uma promessa de direito. Pelo Código Civil, isso significa que, na hora de comprar um bilhete, ele faz um contrato principal e, em contrapartida, tem direito a um acessório, que são as milhas, explicou a diretora. Ou seja, o usuário só ganha se optar por aquela empresa e por aquele cartão. De certa forma, paga pelo benefício que colherá adiante.

Por isso, a Anac teria que exigir o cumprimento da promessa das empresas que herdarem rotas e os slots (espaços nos aeroportos) que eventualmente forem deixados pela Varig. Embora não trate sobre milhagens, o Código de Defesa do Consumidor determina que toda oferta e todo contrato têm que ser honrados numa relação de consumo.

Apesar da orientação do Idec de que o consumidor deve converter logo suas milhas em passagens, isso não garante que a viagem será feita se a Varig quebrar. É apenas um passo a mais do que, simplesmente, ter as milhas nas mãos, disse Diegues. Ele também defende que o Judiciário busque uma solução que permita às associadas da parceria Star Alliance, a qual a Varig integra, reconhecer as milhas da Varig.

A Anac preferiu não se manifestar oficialmente sobre as acusações. Diretores da agência disseram, no entanto, que as milhagens ainda não estão em pauta e que cabe aos próprios Procons e à Justiça tratarem do assunto. Segundo uma fonte do órgão, o entendimento é que a milhagem é um contrato particular entre a companhia e o usuário e que o ativo existe enquanto a empresa estiver voando. Por essa lógica, o ¿mico¿ ficaria com o consumidor.