Título: TCU PROVOCA POLÊMICA AO CRITICAR BANCO CENTRAL
Autor: Regina Alvarez
Fonte: O Globo, 23/04/2006, Economia, p. 33

Auditoria do Tribunal questiona falta de rigor contábil, mas especialistas dizem que números são confiáveis

BRASÍLIA. O Tribunal de Contas da União (TCU) abriu uma polêmica com o Banco Central (BC). Auditoria realizada pelo órgão identificou falhas no cálculo e falta de transparência na divulgação do resultado fiscal e de endividamento do setor público que utiliza o conceito ¿abaixo da linha¿, reconhecido oficialmente como parâmetro de cumprimento das leis de Responsabilidade Fiscal (LRF) e de Diretrizes Orçamentárias (LDO). Porém, especialistas ouvidos pelo GLOBO questionam a avaliação, afirmando que poucos países tornam disponíveis à sociedade, e rapidamente, dados tão abrangentes e confiáveis.

Em relatório, os auditores do TCU concluíram que os números que balizam a elaboração e a execução do Orçamento da União e das estatais ¿ na medida em que expõem o volume de recursos disponíveis para as despesas não-financeiras ¿ são calculados pelo BC ¿sem o rigor contábil necessário e com certo grau de discricionalidade¿.

O conceito ¿abaixo da linha¿, idealizado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) e utilizado pelo BC, permite uma compilação mais rápida ao apurar a diferença entre o endividamento dos entes públicos entre dois períodos. Já o conceito ¿acima da linha¿ prevê a apuração de todas as receitas e despesas (um registro contábil). Nos dois casos, chega-se às Necessidades de Financiamento do Setor Público (superávit primário, juros e déficit nominal) e à Dívida Líquida do Setor Público. Mas só o primeiro permite divulgações mensais.

No trabalho realizado entre novembro de 2005 e março deste ano, já encaminhado ao BC, os auditores afirmam que as informações têm base em estatísticas, sem o rigor que um sistema contábil ofereceria. Eles destacam que os manuais de finanças públicas do FMI, nos quais o BC se baseia, recomendam que dados sobre estatísticas fiscais deveriam ser extraídos de sistemas contábeis estruturados para tal finalidade, o que não aconteceria no Brasil.

¿São os sistemas estatísticos que estão gerando informações para os sistemas contábeis e determinam os critérios de execução do Orçamento¿, diz o relatório.

A conclusão do TCU é que o Tesouro, responsável pela execução da política fiscal, tem condições de assumir as atribuições do BC no cálculo e divulgação do resultados das contas públicas e que isso seria mais adequado.

Auditores acham erro entre estados e União

A auditoria também identificou falhas no registro do resultado primário da União e dos estados. Nas contas públicas de abril de 2005, por exemplo, os técnicos concluíram que havia erro no registro das amortizações de dívida dos estados, o que gerou um superávit primário maior para a União de R$4,6 milhões.

Os auditores afirmam ainda que falta transparência na divulgação dos ¿ajustes patrimoniais e metodológicos¿. Os conceitos foram incorporados pelo BC à metodologia de cálculo do resultado fiscal idealizada pelo FMI. São operações não relacionadas à política fiscal (privatização de empresas públicas, por exemplo), que, por isso, não entram nas necessidades de financiamento.

O TCU determinou providências a serem adotadas pelo BC e pela Secretaria do Tesouro. O relatório, assinado pelo ministro Marcos Vilaça e aprovado em 22 de março, recomenda, por exemplo, que o Tesouro crie um grupo de trabalho que ajuste os sistemas para gerar informações para as estatísticas usadas pelo BC.

Transparência do BC é exemplar, diz especialista

Especialistas acreditam que falta clareza na argumentação do TCU. A professora Margarida Gutierrez, responsável pela área fiscal do Boletim de Conjuntura da UFRJ, defende que a simplificação dos dados vem sendo feita ao longo dos anos e que o aperfeiçoamento é sempre bem-vindo, mas vai beneficiar apenas leigos ¿ que não compilam informações:

¿ No conceito ¿acima da linha¿, se você esquecer um gasto dá problema. No ¿abaixo da linha¿, você vai direto ao ponto. A transparência do BC é exemplar. Nem em países desenvolvidos a situação é tão boa.

Octavio de Barros, diretor de pesquisa macroeconômica do Bradesco, lembra que o Brasil aparece em primeiro lugar num ranking de 30 países emergentes, em pesquisa do Institute of International Finance (IIF) sobre transparência das contas públicas.