Título: Degradação
Autor:
Fonte: O Globo, 24/04/2006, Opinião, p. 6

Profissão de alto risco e de importância inegável para a sociedade, a do policial é uma das menos bem-vistas pela população. Ou seja, aquele que deve ser protegido pelo policial prefere manter distância de quem é pago por ele mesmo para o proteger.

Trata-se de um paradoxo que tem por trás uma série de distorções no comportamento dos policiais, especialmente no Rio de Janeiro, uma cidade em que a imagem dos responsáveis diretos pela segurança pública é das mais deterioradas.

A construção dessa imagem negativa vem de muito tempo. É antiga a percepção entre cariocas e fluminenses de uma polícia permeável à corrupção e acostumada a agir de forma muito violenta ¿ não confundir com ação enérgica.

Compreende-se que as estatísticas mostrem a polícia fluminense como uma das que mais matam e que mais perdem soldados e agentes. No Rio de Janeiro, as forças de segurança pública matam mais do que todo o aparato policial existente nos Estados Unidos. E morrem em igual proporção, na maioria dos casos no ¿bico¿, o segundo trabalho do policial, necessário para complementar os baixos salários. Não que se imagine ser possível enfrentar as AK-47 dos traficantes apenas com as armas do convencimento. A precaução que o cidadão carioca comum tem diante da polícia se baseia numa sucessão de desmandos e equívocos, em que ficam visíveis o despreparo profissional e desvios éticos.

Não há outra reação, a não ser temor e revolta quando se sabe que dois criminosos foragidos, do ramo do jogo de caça-níqueis, são protegidos por 86 seguranças policiais. Entre eles um alto oficial da PM e um sargento do Corpo de Bombeiros. Rogério Andrade e Fernando Iggnácio, em guerra pelo espólio do bicheiro Castor de Andrade, não são presos porque quem os devia prender os protege.

É preocupante a tendência de degradação ética do aparelho policial, processo que já atravessa vários governos de indistintos partidos. O bom policial não pode virar exceção.