Título: INSEGURANÇA
Autor: M. PIO CORRÊA
Fonte: O Globo, 24/04/2006, Opiniao, p. 7

Osecretário de insegurança pública do Rio de Janeiro dirigiu uma mensagem tranqüilizadora aos bandidos desta cidade, garantindo-lhes que nada têm a temer de parte da polícia. Disso já sabiam há muito tempo os bandidos cariocas, sendo antes a polícia que possa ter medo deles, à vista dos freqüentes ataques sofridos por ela: viaturas de polícia crivadas de balas e seus ocupantes assassinados, disparos contra postos policiais, delegacias de polícia assaltadas para liberar presos. Nos freqüentes assaltos a ônibus, todo passageiro identificado como policial é executado. Policiais militares não ousam usar uniforme salvo quando de serviço, com receio de serem assassinados. Muitos policiais têm sido intimados por bandidos a abandonar seus domicílios, quando situados estes em áreas dominadas pelo crime organizado. Bandidos acossando policiais, e não o inverso: é o mundo às avessas.

Quando li, ao abrir o meu jornal pela manhã, a notícia sobre a mensagem do secretário Roberto Precioso aos bandidos, julguei a princípio se tratar de uma pilhéria. Por incrível que pareça, uma autoridade incumbida da repressão do crime se acha no dever de tranqüilizar os criminosos. Em contrapartida, o secretário exige respeito de parte da categoria. Não tenho dúvida de que essa exigência parecerá perfeitamente razoável aos interessados. Há pouco tempo outra alta autoridade, por seu lado, predizia que dentro de dez anos o Rio de Janeiro irá viver sob o império de um Estado paralelo, que administraria todo o sistema de justiça, de assistência social, de transportes públicos e ¿ por que não? ¿ de segurança pública.

Consta que as três organizações criminosas que atuam e prosperam no Rio de Janeiro vão porfiar entre elas nas demonstrações do respeito exigido pelo secretário. Uma planeja inaugurar solenemente o retrato da autoridade no alto do Morro do Borel durante uma festa de arromba com foguetes e tiros de balas traçantes para abrilhantar a noite carioca. Outra organização promete instalar cópias do mesmo retrato em todas as bocas-de-fumo de sua jurisdição. Nos presídios da cidade os chefes ali residentes discutem febrilmente pelos seus telefones celulares com seus subordinados, planejando novas e maiores manifestações de respeito.

Pode ser que sua excelência se recorde de que Dimas, o bandido, foi o único santo a ser canonizado pessoalmente por Nosso Senhor Jesus Cristo, que lhe garantiu expressamente o acesso ao Paraíso. Por que não, assim sendo, fazer um gesto cordial aos colegas de São Dimas dos tempos presentes?

M. PIO CORRÊA é embaixador aposentado.