Título: O PESO DAS APOSENTADORIAS
Autor: Aguinaldo Novo
Fonte: O Globo, 24/04/2006, Economia, p. 16

Gasto, puxado por servidores inativos, supera despesa com educação e saúde, diz estudo

OBrasil gasta em média R$7.930 por ano com cada um dos seus 26 milhões de aposentados. Esse valor é puxado pelos benefícios recebidos por três milhões de servidores públicos inativos, cuja média chega a R$25.300, contra R$5.660 anuais no caso dos 23 milhões de trabalhadores que se aposentaram pelo INSS. Em contrapartida, as demais despesas com custeio e investimento em setores como educação, saúde e segurança ¿ que, em tese, beneficiariam os 182 milhões de brasileiros (ativos e inativos) ¿ não passam de R$2.197 per capita por ano.

Este é um dos resultados de estudo que será divulgado hoje pela Federação do Comércio do Estado de São Paulo (Fecomércio-SP). Encomendado a um grupo de economistas da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), da Universidade de São Paulo (USP), o trabalho afirma que o Brasil não só gasta muito com aposentadorias, em comparação a outros países, como gasta mal ¿ acentuando a péssima distribuição de renda no país. Foram utilizados dados de 2004 do Ministério da Previdência Social, do IBGE e do Banco Mundial, entre outros.

¿Não é exagero dizer que a Previdência Social no Brasil é primordialmente um problema fiscal. Ou antes, é o problema fiscal do país¿, escrevem os economistas.

Proposta é zerar déficit do setor

O estudo não se limitou a fazer um diagnóstico do setor. Também propõe uma reforma radical do sistema previdenciário, que se for encampada pelo governo ou por algum dos candidatos à Presidência nestas eleições promete render muita polêmica. A meta é zerar o déficit de 5,3% do Produto Interno Bruto (PIB, conjunto das riquezas produzidas pelo país num ano) ¿ equivalente a quase R$94 bilhões ¿ entre contribuições e benefícios e reduzir as despesas com o pagamento de aposentadoria dos atuais 12% para até 8% do PIB. Isso poderia ser alcançado em 15 anos.

O primeiro passo seria a unificação dos dois regimes em vigor no país (INSS e funcionalismo público) e a substituição da aposentadoria pela Renda Básica do Idoso. Concedido a todos os brasileiros a partir de 65 anos, independentemente de contribuição anterior, o benefício corresponderia hoje a, no máximo, um salário-mínimo. As aposentadorias já concedidas não seriam revistas e quem contribui atualmente para a Previdência teria direito a uma regra de transição. A preços atuais, renderia pagamento extra de até três salários.

O valor do benefício da Renda Básica do Idoso e da regra de transição deixaria de ter relação com o salário-mínimo oficial para seguir a variação do PIB per capita do país. A proposta mexe também com o FGTS, que passaria a ter contribuição compulsória de servidores públicos. O fundo seria transformado em seguro-desemprego e no Fundo de Aposentadoria Capitalizado. Demitido, o trabalhador poderia sacar só parte do saldo, enquanto o restante seria liberado na aposentadoria.

¿ Parte da elite capturou o Estado e essa conta está ficando alta demais ¿ afirmou Maria Helena Zockun, coordenadora do grupo de economistas da Fipe.

A iniciativa da Fecomércio-SP faz parte de um movimento intitulado ¿Simplificando o Brasil¿. O primeiro trabalho nessa linha foi publicado no mês passado, com propostas de reforma tributária. Agora, as sugestões se referem à Previdência e ao setor trabalhista. Até o fim deste mês, a entidade divulgará mais um documento, desta vez sobre a burocracia que cerca os investimentos no país. Para apresentar este segundo estudo, a federação promove hoje seminário com a presença dos economistas José Pastore, especialista em relações trabalhistas, e Walter Barelli, ex-ministro do Trabalho e hoje deputado pelo PSDB.

Também radical é a proposta de reforma trabalhista apresentada pelos economistas da Fipe. Uma das sugestões é substituir a ¿extensa legislação de direitos individuais¿ que vigora atualmente por uma lista ¿enxuta de direitos básicos¿. Entre esses direitos, permaneceriam o salário-mínimo, limitações ao aumento da jornada semanal de trabalho e normas de saúde e segurança no ambiente de trabalho, entre outros.

Por entender que a maioria dos dispositivos da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) é anacrônica, o trabalho sugere também a criação de regras específicas para demissão ¿ que seriam negociadas diretamente entre empresas e trabalhadores. Algumas das opções prevêem contratos de trabalho sem a proteção da CLT (cargos de chefia, por exemplo) e demissões sem justa causa.

Aceita por patrões e empregados, a desoneração da folha salarial tem mais chances de angariar apoios. O que se propõe é a eliminação de todos os impostos e contribuições sobre a folha de salário, deixando apenas o IR com uma única alíquota. De cada cem reais de custo do trabalho para a empresa, o trabalhador leva para casa apenas R$65,30. O resto vai para o governo na forma de impostos e contribuições. Esse peso excessivo tem seu preço: salários nominais mais baixos e mercado de trabalho estrangulado, com aumento da informalidade.

¿ Se me perguntam se existe ambiente político para aprovar essas propostas, digo que o Congresso só se mexe a partir da pressão da sociedade ¿ disse Maria Helena.