Título: A lei ajuda quem tem mandato
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 25/04/2006, O GLOBO, p. 2

Com a farra da gasolina alguns deputados ampliam a decepção do eleitorado com a atual legislatura e estimulam movimentos como os que pregam o voto nulo e o voto em quem não tem mandato. Nem por isso deve-se apostar numa alta taxa de renovação da Câmara, diz o ex-ministro do TSE e hoje consultor eleitoral Fernando Neves. Com suas restrições à propaganda, diz ele, a nova lei eleitoral aprovada pelo Congresso favorece os candidatos já estabelecidos em detrimento de nomes novos e de estreantes.

A lei cuja validade para a eleição deste ano o TSE ainda vai examinar ¿ pois foi aprovada na semana passada, faltando menos de um ano para o pleito, em desacordo com o artigo 16 da Constituição ¿ proíbe o uso de vários instrumentos de propaganda a pretexto de baratear as campanhas e coibir irregularidades como o uso de caixa dois. Entre eles, os outdoors, a fixação de cartazes, os showmícios, a aparição de artistas, o anúncio em veículos impressos, a distribuição de camisetas e outros brindes com inscrições do candidato.

A propaganda eleitoral, diz Fernando Neves, não pode ser entendida como um privilégio do candidato mas como um direito do eleitor. A ele deve ser assegurada a mais ampla oferta de informação sobre os candidatos que estão na disputa, suas trajetórias e suas propostas. Só assim, bem informado, ele poderá fazer o que considera a melhor escolha segundo suas afinidades. Baratear as campanhas é necessário mas isso não pode ocorrer com o sacrifício da oferta de propaganda ao eleitor. Com tantas restrições, os carros de som , que não foram proibidos, devem ser a febre da campanha. Preparemos nossos ouvidos.

¿ Quando a lei eleitoral restringe os instrumentos de propaganda, ela está na prática favorecendo os que já têm mandato, os que já são bastante conhecidos e têm bases consolidadas. As restrições limitam a circulação das idéias políticas, prejudicando os nomes novos, menos conhecidos. Por isso, ao contrário do que se tem dito, não creio que haverá uma grande renovação da Câmara ¿ diz Fernando Neves.

A renovação não melhora necessariamente a Câmara. Há sempre o risco de uma safra ainda pior. Mas é interessante a observação sobre este viés aparentemente moralizador, que no fundo é conservador. Favorece os que têm mandato.

Fernando Neves aponta outro aspecto da lei que até agora passou batido por todos nós que tentamos analisá-la. O TSE já exigia que todas as doações acima de R$10 fossem feitas através de cheque nominal cruzado ou transferência bancária eletrônica (Ted). Na regulamentação deste ano, acabou até com a exceção para doações de até R$10. Veio agora a lei e abriu uma exceção. Naquela linguagem sinuosa e remissiva das leis, repete a exigência de que as doações sejam feitas por cheque nominal ou Ted, ¿exceto para pessoas físicas, até o limite estabelecido nesta lei¿. Ora, o limite para doação de pessoas físicas é de 10% da renda anual. Isso significa que pessoas de alta renda podem fazer doações significativas em dinheiro vivo. Existe aí uma brecha interessante para a lavagem de dinheiro de caixa dois. O candidato que tem um dinheiro destes pode pedir a um amigo de boa renda que lhe empreste o nome para uma falsa doação. Ao longo do ano, todo mundo faz saques em dinheiro que devem alcançar ou superar os 10% da renda: aquele dinheiro para pagar empregados e custear os gastos domésticos cotidianos.

Uma brecha destas a favor do caixa dois, numa lei que pretendia tapar os ralos por onde passaram tantos milhões eleitorais lança dúvidas sobre os objetivos dos congressistas. Ou não queriam corrigir nada, ou não sabiam o que estavam votando.

Por sorte, dificilmente esta parte da lei valerá para este ano, assim como as mudanças em relação à propaganda. O TSE aguarda a sanção do presidente Lula para dar seu veredito.