Título: Apuração comprometida
Autor: Antonio Werneck, Carla Rocha, Dimmi Amora e Fábio
Fonte: O Globo, 25/04/2006, Rio, p. 42

Investigação sobre crimes de deputados esbarra em parlamentares que ocupam postos-chaves

Odeputado estadual Alessandro Molon (PT) protocolou ontem um pedido para que o Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da Assembléia Legislativa (Alerj) investigue se deputados da Casa praticaram crimes. Isso porque há no Ministério Público federal um procedimento criminal contra o deputado Jorge Picciani (PMDB), presidente da Alerj, e mais dez políticos que ocuparam ou ocupam cadeiras na Casa, suspeitos de crimes contra a ordem financeira. No pedido, Molon solicita ainda que os parlamentares investigados sejam afastados temporariamente das suas funções no próprio Conselho de Ética e na Mesa Diretora da Alerj. Paulo Melo (PMDB) é presidente do conselho e Jorge Picciani preside a Mesa Diretora. Os dois são investigados.

¿ Precisamos dar uma resposta à sociedade ¿ afirmou Molon.

Agora, o pedido de Molon corre risco de sequer chegar ao Conselho de Ética da Alerj. O deputado Paulo Melo já avisou que a decisão caberá à Mesa Diretora. O parlamentar ganhou na Justiça uma liminar que suspende uma investigação contra ele, instaurada no Ministério Público estadual, com base na mesma reportagem.

O deputado Jorge Picciani, apesar de ter tido um processo arquivado no MP estadual, ainda está sendo investigado pela Procuradoria da República.

¿ Qualquer pedido contra deputados deve ser analisado primeiramente pela Mesa Diretora ¿ disse Paulo Melo.

Molon rebateu, dizendo que o pedido não é contra um deputado específico, o que poderia levar o caso para a Mesa Diretora, mas sim para que o conselho se inteire das denúncias e, caso encontre indícios, tome providências. O vice-presidente do Conselho de Ética, deputado Luiz Paulo Corrêa da Rocha (PSDB), disse preferir que as investigações sejam antes concluídas pelos outros órgãos, para só então a Alerj se manifestar sobre possível quebra de decoro.

A investigação criminal da Procuradoria Regional da República da Segunda Região (Rio e Espírito Santo) começou depois da série de reportagens ¿Homens de bens da Alerj¿, publicada pelo GLOBO a partir do dia 20 de junho de 2004.

Paralelamente, corre no Ministério Público estadual uma investigação criminal, dividida em quatro inquéritos, que apura envolvimento de cinco deputados estaduais do Rio com a máfia dos combustíveis. De acordo com o procurador Alexandre Marinho, responsável pela assessoria criminal do procurador-geral de Justiça, Marfan Vieira, os quatro procedimentos investigam sonegação de ICMS, crimes contra o consumidor, contra a administração pública e contra o patrimônio (receptação).

Funcionários da Feema teriam sido pressionados

O procurador confirmou que o deputado Domingos Brazão (PMDB) é o principal investigado. Ele disse ainda que o deputado Alessandro Calazans (PMN) aparece na investigação, mas não informou o nome dos outros parlamentares. A denúncia foi encaminhada pela deputada Cidinha Campos (PDT) no final de 2004.

Um dos quatro inquéritos apura denúncias de cinco funcionários da Feema, publicadas pelo GLOBO em 2004, que acusavam Brazão e Calazans de pressionarem servidores para conseguir licenças ambientais.

De acordo com o relato de funcionários à época, uma engenheira ambiental teria sido ameaçada pelos dois para liberar uma licença para extração de areia. O empresário interessado teria ficado do lado de fora da sala, esperando pelos parlamentares. Outros três deputados citados na denúncia também teriam feito pressão sobre funcionários.

Segundo Marinho, até agora o procedimento de investigação criminal da Procuradoria da República que apura o crescimento patrimonial dos deputados não foi anexado aos autos. Anteontem, o procurador-geral Marfan Vieira informou que o objetivo da investigação sobre a máfia dos combustíveis era verificar se poderia haver relação ¿entre o crescimento patrimonial dos parlamentares e os crimes de adulteração de combustíveis ocorridos no Rio¿.

Apesar de ter conseguido suspender a investigação contra ele no MP estadual, o deputado Paulo Melo não se livrou de um inquérito civil aberto há 15 dias pelo promotor Leandro Navega, da Tutela Coletiva do Núcleo de Araruama, com base nas investigações iniciadas no Rio. O inquérito apura um convênio entre o instituto social do parlamentar e o município de Saquarema, onde a mulher do deputado, Franciane Melo, é vice-prefeita. A entidade recebe repasses de verbas municipais para prestar atendimento médico à população.

Promotor pede dados sobre verbas liberadas

O promotor Leandro Navega pediu à prefeitura de Saquarema que informe se há repasses financeiros e seus valores. Também foi solicitada uma cópia do convênio assinado com o Instituto Social Paulo Melo. A prefeitura, entretanto, pediu um prazo maior para atender à solicitação. Até amanhã, os dados devem ser fornecidos. O procedimento foi instalado após Navega receber um ofício do promotor Rogério Pacheco Alves, da Tutela Coletiva do Rio, que investiga a evolução do patrimônio dos deputados estaduais. Melo, em depoimento ao MP, falou sobre a existência do convênio.

¿ Só depois de ter acesso ao teor do convênio poderei verificar se há ou não alguma irregularidade ¿ disse Navega.

Paulo Melo confirmou que o convênio existe há dois anos. Ele disse que foi a solução encontrada para garantir os serviços que prestava por conta própria há 18 anos. Melo disse que, à época, chegou a pensar em encerrar parte dos serviços, o que só não ocorreu depois de surgir a idéia do convênio numa conversa com o prefeito de Saquarema, Antônio Peres Alves.

Além de vice-prefeita, Franciane Melo é responsável pela coordenação dos projetos sociais.

Segundo Melo, só este ano foram realizados 5.806 atendimentos, que incluem exames complementares, a maioria de ultra-sonografia e eletrocardiograma. Além disso, a prefeitura mantém outras parcerias com o instituto, como o fornecimento de 20 próteses dentárias por mês pelo Centro de Especialidades Odontológicas do município.

¿ Nosso atendimento existe para suprir a deficiência do município ¿ afirmou o deputado. ¿ A ciência jurídica não é perfeita, é interpretativa. Se considerarem a prática irregular, eu encerro o convênio. Estou disposto até a doar o instituto social para a prefeitura.

Melo acrescentou que o Tribunal de Contas do Estado (TCE) aprovou o convênio assinado com a prefeitura de Saquarema, sem ressalvas.