Título: DELEGACIA REGIONAL IMPEDE TRABALHO DE MENORES
Autor: Daniel Engelbrecht
Fonte: O Globo, 25/04/2006, Rio, p. 13

Participantes de projeto de ONG atuavam como calibradores de pneus em postos de gasolina

Um projeto social para menores carentes e infratores com 14 anos de existência teve uma de suas principais atividades proibida pela Delegacia Regional do Trabalho (DRT). Os 68 jovens entre 16 e 18 anos que integram o projeto Meninos a Postos, da ONG Cruzada do Menor, estão há mais de uma semana sem poder trabalhar como calibradores de pneus nos postos da BR Distribuidora. A alegação da delegada regional do Trabalho, Lívia Arueira, é de que uma portaria do Ministério do Trabalho e Emprego proíbe que menores exerçam atividades na área externa de postos de gasolina. A delegada sugere que os adolescentes sejam contratados pela distribuidora como aprendizes.

Nos últimos cinco anos, mais de 400 adolescentes passaram pelo projeto Meninos a Postos, que é resumido pela superintendente da Cruzada do Menor, Helena Costa Cavalcanti de Albuquerque, como um curso de formação geral e preparação para o mercado de trabalho. Ao longo do curso, que tem duração de um ano e meio, os jovens assistem duas vezes por semana a aulas teóricas em salas cedidas pela Universidade Estácio de Sá, na Praça Onze, onde aprendem conceitos de cidadania, sexualidade, higiene e valores familiares, entre outros temas. Três vezes por semana, têm aulas práticas.

Essas aulas, com quatro horas de duração, aconteciam nos postos, onde os jovens atuavam como calibradores de pneus.

¿ O trabalho nos postos tem o objetivo de gerar a vivência de como é um emprego, no qual há compromissos, horários e relacionamento com outras pessoas. A proposta não é formar calibradores, até porque essa profissão não existe, mas dar condições a esses jovens de enfrentarem no futuro o mercado de trabalho em outras funções ¿ explica Helena.

A suspensão da atividade, para ela, compromete a sobrevivência do projeto:

¿ O cenário é ruim porque esses jovens voltaram a ficar desocupados em parte da semana, suscetíveis às influências de más companhias nas comunidades onde vivem. Tememos que muitos se desestimulem e abandonem até mesmo as aulas teóricas.

Dos 68 rapazes e moças que participam do projeto, 15 cumprem medida sócio-educativa e foram encaminhados pela 2ª Vara da Infância, da Juventude e do Idoso. Para o juiz titular da 2ª Vara, Guaracy Vianna, é importante que um consenso seja alcançado logo:

¿ Entendemos o aspecto legal que justifica a restrição, apesar de, na administração anterior da delegacia, esse projeto ter sido aceito. Sob o aspecto social, no entanto, a perda é grande. A colocação de adolescentes no mercado por si só já é difícil. Quando se trata de adolescentes infratores, a dificuldade é muito maior. Se não for obtido um consenso, acho até que uma modificação na legislação deveria ser feita.

Dos 60 participantes do Meninos a Postos do ano passado, 14 estão trabalhando atualmente, 30 estagiando e dez estudando. A superintendente da ONG lembra que foram proibidas pela DRT quaisquer atividades na área externa de postos, não apenas a de calibradores.

¿ Assim ficamos de mãos atadas, uma vez que a nossa grande parceira no projeto é a BR Distribuidora.

Gestor critica também falta de vínculo empregatício

Lívia Arueira, que assumiu o cargo de delegada da DRT em junho do ano passado, defende a proibição com base no disposto pela portaria 20/2001 do Ministério do Trabalho. O documento lista atividades que não podem ser exercidas por menores devido à periculosidade ou à insalubridade, entre elas aquelas na área externa de postos de gasolina.

¿ Na época de renovação do convênio, há cerca de seis meses, fizemos uma consulta à Secretaria de Inspeção do Trabalho, em Brasília, e tivemos como resposta que não era possível que os menores trabalhassem nos postos. O projeto não foi, portanto, inteiramente proibido, mas somente essa parte. Se as atividades nos postos aconteceram nos últimos 14 anos, a responsabilidade é de quem permitiu ¿ diz ela.

O gestor de Políticas Sociais da DRT, José Roberto Aragão, vê ainda um outro problema grave no trabalho dos jovens como calibradores: a falta de vínculo de emprego com os postos. Segundo ele, a inexistência de carteira assinada faz com que eles fiquem desprotegidos no caso de acidentes, sem direito à assistência da previdência social:

¿ Nunca aconteceu um acidente, mas e se acontecer? Ele vai ficar encoberto, porque sequer será registrado como acidente de trabalho. Entendemos o cunho social do projeto, mas, da forma como está organizado, não vemos crescimento para os menores.

A proposta da DRT, encaminhada à BR Distribuidora, é que os jovens sejam contratados como aprendizes, a exemplo do que já acontece com 34 ex-participantes do Meninos a Postos, maiores de 18 anos, que trabalham nas lojas de conveniência de alguns postos. Pela proposta, que tem por base a Lei do Aprendiz (número 10.097/2000), os jovens passariam por um curso profissionalizante para exercerem determinadas funções nos estabelecimentos. Entre os benefícios assegurados, está o salário-mínimo-hora.

A BR Distribuidora, que teria que arcar com os custos das contratações, não comentou o assunto. Enquanto aguardam a solução do impasse, os jovens lamentam o tempo ocioso e a perda das gorjetas.

¿ Eu ganhava até R$50 por dia dos motoristas e podia comprar para mim algumas coisas, como tênis e celular, que outros rapazes da comunidade conseguem ¿ diz X., de 17 anos, morador do Caju.

Y., também de 17 anos, moradora do Morro do Turano, no Rio Comprido, perdeu a única ocupação que tinha nas tardes:

¿ É horrível ficar em casa. Passo a tarde dormindo.

Participam do projeto adolescentes do Rio, de Niterói e da Baixada Fluminense.