Título: O PREÇO DE ABRIR O COFRE
Autor: Henrique Gomes Batista
Fonte: O Globo, 26/04/2006, Economia, p. 21

Gastos do governo sobem R$7,4 bi puxados por pessoal e superávit cai a 3,06% do PIB

Oquadro de deterioração das contas públicas, antecipado por vários especialistas e entidades nas últimas semanas, foi confirmado ontem pelo próprio governo federal. Tesouro Nacional e Banco Central (BC) gastaram no primeiro trimestre deste ano R$7,4 bilhões a mais do que no mesmo período do ano passado com itens como pessoal, custeio da máquina e benefícios assistenciais, provocando uma redução no superávit primário ¿ economia para o pagamento de juros da dívida ¿ de 3,89% do Produto Interno Bruto (PIB) entre janeiro e março de 2005 para 3,06%.

Foram economizados para quitar encargos R$14,607 bilhões, ou R$2,432 bilhões a menos do que no mesmo período do ano passado. Também pesou na piora do indicador ¿ o termômetro das condições fiscais do país, observado por todos os investidores internacionais ¿ o aumento do déficit da Previdência no período (R$2,6 bilhões). Além disso, enquanto as despesas cresceram 14,5%, as receitas subiram apenas 9,2%.

O resultado do trimestre caiu apesar do aumento da economia do governo em março. O superávit do mês foi de R$7,070 bilhões, R$514 milhões superior ao de março de 2005 e praticamente o dobro do superávit realizado em fevereiro deste ano, que foi de R$3,6 bilhões.

Tesouro diz que meta será cumprida

Apesar do cenário, o governo voltou a garantir que vai cumprir tanto a meta de superávit do primeiro quadrimestre (de R$28,7 bilhões) como a meta anual, de 4,25% do PIB (incluindo estatais, estados e municípios). Hoje, o BC divulga o resultado do setor público consolidado.

¿ A execução do Orçamento deste ano é menos flexível por causa das eleições, mas garanto que vamos cumprir a meta de superávit do quadrimestre e do ano, embora devamos passar todos os meses muito próximo à meta de 4,25% ¿ afirmou Tarcísio Godoy, secretário-adjunto do Tesouro, lembrando que, devido às leis de Responsabilidade Fiscal (LRF) e Eleitoral neste ano, não é possível fazer um grande esforço fiscal no primeiro semestre e liberar mais os gastos na segunda metade do ano, como é o padrão.

¿ O Tesouro não trabalha com esta hipótese de superávit inferior a 4,25% no acumulado de 12 meses em nenhum momento deste ano ¿ afirmou Godoy, embora o secretário do Tesouro, Carlos Kawall, já tenha dito que se isso ocorrer não será nenhum pecado.

Ele ainda lembrou que o governo tem tanta preocupação em cumprir o superávit primário que já elevou a participação que cabe ao governo central (governo federal e estatais), de 3,15% para 3,35% do PIB, conforme antecipou O GLOBO no início de abril.

O secretário-adjunto afirmou que o aumento dos gastos do governo federal não traz preocupação ao Tesouro Nacional. As despesas totais do governo subiram 14,5% no primeiro trimestre deste ano em relação ao mesmo período de 2005. Esse valor é muito superior ao crescimento da receita ¿ que subiu 9,2% ¿ e foi puxado pelo aumento de pessoal (16,5%) e de custeio e capital (14,5%).

Entre esses aumentos de gastos estão o reajuste dos militares, que teve impacto de R$600 milhões no trimestre, e a contratação de procuradores para o Ministério Público da União, que custou R$400 milhões no período. O aumento de custeio também foi gerado pela alta dos gastos com benefícios sociais (R$500 milhões), pagamento de seguro-desemprego (R$500 milhões) e verbas para os ministérios (R$1,047 bilhão).

O aumento dos gastos já preocupa o mercado. Para Luís Fernando Lopes, economista-chefe do Pátria Banco de Negócios, os números mostram uma tendência de deterioração.

¿ O problema não é para este ano, tenho certeza de que o governo vai cumprir a meta de 4,25% de superávit, mesmo que para isso tenha de jogar muitas despesas como restos a pagar em 2007. O que me deixa apreensivo é que o governo deu três sinais claros de que há uma maior frouxidão fiscal ¿ afirmou.

Lopes diz que nem mesmo o aumento dos gastos é positivo, ou seja, ele está concentrado em custeio e pessoal e não em investimento, o que poderia ser justificado se esse gasto maior alavancasse a economia.

Para o professor Antônio Corrêa de Lacerda, da PUC-SP, no entanto, os números do Tesouro no primeiro trimestre não são tão graves, pois se trata de um ano eleitoral.

¿ As despesas vão aumentar de forma geral, mas a meta de 4,25% será cumprida. Essa sensação ocorre no mercado pois nos outros anos o governo superou em muito a meta oficial de superávit ¿ afirmou.