Título: ESCÂNDALO NA RECONSTRUÇÃO DO IRAQUE
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Fonte: O Globo, 26/04/2006, O Mundo, p. 30

Empresa que foi chefiada por vice dos EUA gasta milhões em projeto fracassado de oleoduto

NOVA YORK. Quando Robert Sanders foi enviado pelo Exército dos EUA para inspecionar o trabalho de construção que uma empresa americana fazia às margens do Rio Tigre, 210 quilômetros ao norte de Bagdá, ele esperava ver operários perfurando buracos sob o leito do rio para consertar um cruzamento crucial de grandes oleodutos, bombardeado durante a invasão do Iraque. Não foi o que encontrou naquele dia de julho de 2004.

Uma equipe de trabalhadores fizera uma trincheira de 90 metros em torno de uma gigantesca perfuração numa tentativa desesperada de separá-la do rio. Um supervisor depois disse a ele que a equipe do projeto sabia que perfurar os buracos não era possível , mas que tinha recebido instruções da empresa responsável para prosseguir mesmo assim.

Poucas semanas depois, quando o projeto já tinha consumido todos os US$75,7 milhões (R$160 milhões) que tinham sido reservados para ele, o trabalho foi interrompido.

Projeto Fatah é a principal interseção de oleodutos do país

O projeto, chamado interseção de oleodutos Fatah, foi um elemento importante do contrato (que não passou por um processo de licitação) de reconstrução de US$2,4 bilhões (R$5,1 bilhões) que uma subsidiária da Halliburton ganhou do Exército em 2003. O local onde cerca de 15 oleodutos cruzavam o Rio Tigre foi a principal ligação entre os ricos campos de petróleo do norte do Iraque e os terminais de exportação e as refinarias do sul.

Por todas essas razões, o fracasso do projeto poderia prejudicar seriamente o esforço para restaurar o sistema petrolífero do Iraque e tornar o país capaz de pagar sua própria reconstrução. O oleoduto de Fatah tem um grande significado por ser uma metáfora de todo o esforço de US$45 bilhões para reconstruir o Iraque.

Até Sanders visitar o projeto Fatah, o Corpo de Engenheiros do Exército dos EUA, que administrava os trabalhos, permitiu que o show continuasse por meses. Um relatório geotécnico pedido pela subsidiária da Halliburton, Kellogg Brown & Root (hoje KBR), alertou em agosto de 2003 que perfurar a área sem um grande teste subterrâneo seria pedir um desastre.

A Inspetoria-Geral Especial para a Reconstrução do Iraque começou a investigar o projeto e divulgou um relatório no começo do ano. São feitas severas críticas à KBR por não informar os problemas. Ainda assim, a única penalidade que a empresa recebeu foi ter ganho somente 4% de seus possíveis bônus pelo contrato geral que incluía o projeto Fatah. Ela não recebeu qualquer outra penalidade.

Democratas do Congresso acusam a Halliburton de ter privilégios especiais porque o vice-presidente Dick Cheney foi seu principal executivo antes de ser eleito para o cargo.

Com o fracasso do Fatah, o inspetor-geral estima a perda de US$5 milhões em exportações por dia. Os EUA foram forçados a fazer um novo contrato de US$66 milhões, com uma joint venture da americana Parsons e da australiana Worley. Mas até semana passada, um funcionários da estatal iraquiana de petróleo disse que ainda não havia petróleo jorrando do projeto Fatah.